Por julia.sorella

Rio - "Quando cheguei, vi os outros ônibus já incendiados e tive de parar. Era muito fogo. Um grupo mandou todo mundo descer e um homem com um capuz branco me bateu com uma barra de ferro. E também bateram em pelo menos um passageiro. Foi um terror.” O relato do motorista X, da Viação Três Amigos, narra uma cena cada vez mais comum no Rio de Janeiro. Só em 2014, até ontem, foram 23 coletivos queimados na Região Metropolitana. Média de quase dois por semana. No ano passado inteiro, foram cinco ocorrências (uma a cada 73 dias.

X, que pediu para não ser identificado por medo de represálias de pessoas “sem rosto”, dirigia um coletivo obrigado a parar, na última quarta-feira, na Rua Cândido Benício, em Jacarepaguá, durante um protesto iniciado após a morte de um homem em uma operação policial. Ele teve alguns hematomas e R$ 40 que estavam no bolso roubados. O veículo conduzido por X foi apedrejado, mas teve destino menos trágico do que o de três ônibus de outras companhias que passavam pela mesma via e acabaram incendiados, com perda total.

A empresa Três Amigos já teve três ônibus queimados neste ano. Os veículos tiveram perda total e nenhuma parte pode ser aproveitada. Funcionários estão assustadosCarlo Wrede / Agência O Dia

De acordo com a Rio Ônibus (associação das empresas), o valor da reposição desses 23 coletivos é de R$ 8 milhões — equivalentes ao investimento na construção do novo Centro de Controle Operacional de todo o sistema de BRTs da cidade. Cada ônibus custa, em média, R$ 350 mil. A frota não tem seguro e os veículos novos que chegam, ao invés de substituírem os mais antigos, acabam entrando no lugar dos que foram queimados, prejudicando os passageiros.

Na quinta-feira, técnicos da Três Amigos fizeram reparos nos vidros do ônibus depredado. No fundo da garagem, em Bento Ribeiro, a empresa mantém um “cemitério” com as carcaças de três coletivos incendiados em outros protestos deste ano. Nenhuma parte pode ser aproveitada.

Um dos inspetores da Três Amigos, que também pediu para não ser identificado, já se sente especializado em situações extremas. É ele quem recebe as ligações dos motoristas que estão em perigo e o primeiro funcionário da empresa a chegar ao local das ocorrências. “A primeira orientação é a de que o motorista priorize a segurança dele, do cobrador e dos passageiros”, disse ele.

Na última quarta-feira%2C três ônibus foram queimados em JacarepaguáCarlos Eduardo Cardoso / Agência O Dia

Cobradora pede demissão

Além dos prejuízos financeiros, a Três Amigos tem outra preocupação resultante do vandalismo: o abalo psicológico sofrido pelos profissionais submetidos a casos de violência. Uma cobradora de um dos coletivos incendiados em Madureira, em março, pediu demissão após dizer que “viu a cara da morte”.

“A filha pediu que ela largasse o emprego. Devido a casos como esse, reforçamos o trabalho com a nossa psicóloga”, disse o inspetor da empresa, que pede para não ser identificado.

Ele acrescentou que motoristas pedem para não trabalhar em linhas de trajeto considerado perigoso. “Alguns não querem dirigir na linha 721 (Cascadura-Vila Cruzeiro)”.

O medo da violência agrava o quadro de falta de mão de obra no setor, pois desencoraja os candidatos a vagas. “Temos 300 motoristas, mas a empresa tem uma defasagem hoje de 40”, acrescentou o inspetor da empresa.

População é prejudicada

O presidente da Fetranspor (Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio), Lélis Teixeira, afirmou que a redução dos ataques a ônibus e profissionais do sistema público de transportes tem de passar pela conscientização de que os atos de vandalismo se voltam contra a própria população.

“Um grupo muito reduzido promove esses atos, que acabam prejudicando milhões de pessoas que precisam do transporte público diariamente. Estamos vendo que essas ações de incendiar ônibus têm aumentado não apenas no Rio, mas em outras cidades também”, disse Teixeira.

Carlos Roberto Osório, secretário municipal de Transportes, considera que a recorrência de episódios com ônibus incendiados é o que mais preocupa. “É um incidente policial. Esses atos não têm nada a ver com os serviços de transporte, mas o ataque ao ônibus acaba sendo um canal para expressar qualquer outro tipo de descontentamento”, afirmou o secretário.

Reportagem: Paulo Maurício Costa

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