Por adriano.araujo

Rio - A pouco menos de seis meses da inauguração do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), os cariocas se animam ao ver os primeiros trens em teste na região portuária. Mas também já duvidam que os passageiros se adaptem ao modelo europeu de pagamento voluntário do transporte, que não terá roletas em 29 de suas 32 estações.

Contribuintes e especialistas ficaram indignados porque a prefeitura admitiu, na última semana, que vai assumir o prejuízo financeiro dos possíveis calotes, com dinheiro público. “Nossa cultura não é de respeitar esse tipo de coisa. O contribuinte vai pagar pelas bandalhas”, lamenta o técnico Robson Santos, de 60 anos.

Um agravante é que ninguém poderá ser multado por deixar de pagar a tarifa, já que a legislação brasileira não prevê esse tipo de punição, ao contrário de outras cidades no mundo. “A educação no país é ruim, e a fiscalização, muitas vezes, é falha. Então, não é justo pagar pela falta de consciência dos outros”, diz a estudante de Enfermagem Marie Grossmann, 22.

Marie Grossmann%3A 'Não é justo pagar pela falta de consciência dos outros'Maíra Coelho / Agência O Dia

Há controvérsias. A prefeitura acredita que a maioria vai seguir a norma de passar voluntariamente o bilhete eletrônico nos 28 validadores dentro dos vagões, apesar de garantir que haverá fiscalização com apoio da Guarda Municipal e que será retirado do VLT quem se recusar a pagar a passagem.

O secretário de Concessões e Parcerias Público-Privadas, Jorge Arraes, afirma que não faz sentido, para o custo-benefício da operação, ter catraca e cobrador. “No mundo todo, os VLTs são parecidos com o nosso. Não podemos duvidar da boa-fé do carioca.”

Por contrato, o prejuízo terá de ser dividido com o consórcio operador do VLT se a evasão ultrapassar 10% dos passageiros — a discrepância será medida por sensores dentro dos veículos. Caso mais de 20% dos passageiros não paguem, a prefeitura arcará sozinha com os calotes a partir dessa margem.

“O cerne de uma concessão é que 100% dos riscos sejam da concessionária”, critica o engenheiro de Transportes Fernando Mac Dowell. “Não há chance de uma empresa ter todo o risco em qualquer concessão”, discorda o secretário. Alguns até admitem que não pagariam. “Se eu tivesse o cartão, pagaria. Se estivesse no aperto, iria de graça”, confessa o estudante Denis Araújo, 19.

Só ANTT pode criar multa para caloteiro

Só a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) poderia regulamentar a aplicação de multas nos transportes, por resolução, segundo o especialista em Direito Administrativo Leandro Mello Frota, sócio do escritório Gomes & Mello Frota Advogados. Ele também critica o contrato. “É ilegal, um desvio de finalidade, e certamente será anulado, porque causa dano ao erário público, ainda mais em período de crise econômica.”

“No mundo todo esse tipo de cobrança funciona porque tem fiscalização e multa. É melhor a prefeitura instituir logo a passagem gratuita, porque não haverá controle algum sem a multa”, avalia Eva Vider, engenheira de Transportes da Coppe/UFRJ. Para Fernando Mac Dowell, da PUC, os calotes podem pesar na tarifa.

O secretário Jorge Arraes lembra que o contrato também prevê à prefeitura o recebimento de parte da arrecadação do consórcio se o número de passageiros ultrapassar 10% da demanda mínima, que será definida em estudo.

Gerente de Arrecadação do VLT Carioca, João Carlos Santos adiantou, semana passada, que a hipótese de equipar as estações com estruturas fechadas e roletas, apesar de remota, não está descartada para o futuro. Arraes disse que a prefeitura não tem intenção de permitir esse tipo de intervenção e, se isso porventura acontecer, o custo de obras será do consórcio.

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