Por nara.boechat
Rio - O Rio e seus afluentes cariocas passaram os últimos dias engordando nos botequins mais vagabundos atrás de gulosas comidas de “buteco”.
Vi fotos de alguns pratos e, se houvesse Lei Seca pra fritura na cidade, todos estariam detidos na primeira curva. O sujeito seria parado e obrigado a limpar a boca com um guardanapo elétrico. O permitido seria no máximo um bolinho de arroz recheado de pimenta calabresa. Pastel de feira — ou a harmonização do Cachambeer: paio do feijão com isca de fígado, jiló e língua ao alho —, o gaiato era amarrado na maca seguindo direto pro CTI disponível.
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Falo isso da boca pra fora. Por dentro, a memória implora por torresmos e suas calorias impregnadas de sabores brasileiros.
Há alguns anos, em uma apresentação por Brasília, encontrei o mestre dos mestres, Jaguar, também no planalto, cruzando, sóbrio, suas asas urbanas. Apetite de baleia azul num oceano de manjubas, partimos para a cidade satélite próxima, à procura do tira-gosto perfeito, esbarrando logo numa cumbuca de louça coberta de molho escuro com dois ossos cruzados pra fora: galopé. Explico: trata-se de um caldo feito a partir dos pés de galo e de porco. Cá pra nós, uma loucura gastronômica com temperos de suicídio. Meu organismo sobe a rampa com essa lembrança.
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No Méier, uma taberna ainda serve rãs, prato raro. Mais ousados, bares de diferentes bairros têm no cardápio preciosidades como testículos de peru, sobre de galinha empanado, miolo no vinho, além de caças diversas, paca, tatu, cotia, não.
O festival de comidas zanzando atualmente na lousa preta presa na birosca anuncia, feito versos machadianos, os poemas do dia, invenções de frigideira, caçarolas na cozinha enfumaçada. A globalização trouxe o gorgonzola, queijo grana padano, trouxe tomate seco, a mozzarela de búfala, atrativos de qualquer pé sujo moderno.
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Novos títulos em antigas receitas. A vida é parecida. O malandro perde a lábia pro Twitter. A moela sucumbe às brusquetas. A batida de maracujá se transformou em frozen, batido também, enquanto a cachaça alcançou valores tão altos feito as consequencias etílicas.
A velha sardinha de balcão, eleita saudável por conta de um tal ômega3, anda fugindo da rede antes mesmo do defeso, e é vista agora com pequenas aparições em sushimis sofisticados.
Quando abri o lacre dos meus exames médicos, ouvi, ríspido, do doutor em fardeta: — Moa, passa no departamento pessoal. Carreira encerrada. Ácido úrico à parte, aceitei a condenação parafraseando Cartola: — Guerreei na juventude, fiz por você o que pude...
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E-mail: moacyrluz@ig.com.br