Por bferreira

Rio - Temos dois tipos de novelas: aquelas que passam ao público um drama de vida real e outro que é uma peça de ficção. A primeira é ‘Amor à Vida’, e a segunda, ‘Saramandaia’. Para o público, é nítida a ideia de que, na primeira, o drama é passado como algo do cotidiano, que pode acontecer em sua própria casa ou ambiente de trabalho. Em ‘Saramandaia’, tudo é caricatura, apenas uma história surreal.

O compromisso do autor no primeiro caso é o de apresentar o cotidiano sem exercícios de ficção, pois o público acredita na seriedade da trama, e as atitudes são vistas como reais e normais.

O casal homoafetivo de ‘Amor à Vida’ exprime o direito natural de um ser humano de se reproduzir, ter um filho. Procura uma clínica ou médico especializado em reprodução humana e tem como proposta óbvia o uso de um óvulo doado e um ‘útero de substituição’.

A norma do Conselho Federal de Medicina só permite a utilização de óvulos doados anonimamente. As novas resoluções do CFM aumentam a possibilidade de uso do ‘útero de substituição’. A prática consiste em uma mulher gerar em seu útero um embrião fecundado com o óvulo de outra mulher. O CFM não aceita o uso comercial da prática e só permite que ela seja feita quando a mulher que gera o filho tem algum parentesco com o casal. Mas a permissão foi ampliada. Pela resolução antiga, esse parentesco deveria ser de até segundo grau — mãe ou irmã. Com o novo texto, parentes de até quarto grau — tias e primas — também podem emprestar o útero para este fim. Se o casal não possui parentes que façam a doação, a utilização do útero de uma pessoa não aparentada, como uma amiga, só pode ser realizada após análise do caso por um processo junto ao Conselho Federal de Medicina, que pode aprovar ou não. Mas, infelizmente, o que vimos na novela é que tudo é possível: óvulo da fulana, útero da sicrana, dando a entender que os tratamentos acontecem sem estar de acordo com uma norma médica e ética.

Acredito que o autor Walcyr Carrasco não teve assessoria médica ou mudou a seu bel-prazer as normas, para tornar o caso mais interessante como tema para a novela. Mas o que sobra disso é desinformação do paciente, construção de sonhos que não poderão ser realizados. É fantástico que se coloque na mídia o que a medicina pode fazer pela felicidade do ser humano, casais estabelecidos como qualquer outro, homoafetivos, podendo ter seus filhos, mas não podemos aceitar que o assunto seja abordado de forma leviana e a informação passada de forma errônea. Seria o mesmo que dizer na novela que um crime não é crime.

Luiz Fernando Dale é ginecologista e especialista em reprodução humana

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