Rio - Eu estava visitando a exposição “Roberto Marinho, empreendedor da cultura”, na Academia Brasileira de Letras. Já passava do meio-dia, e a intensa luz do sol clareava toda a escada que leva ao andar da mostra, cuja parede branca, enorme, está coberta por fotografias nas quais Roberto aparece ao lado de grandes personalidades da vida brasileira, em grande momentos de nosso país. Claro que fui procurando algo ou alguém que me chamasse atenção e, quando o vi ao lado de um grupo de negros, imediatamente me interessei por esta foto, porque vocês sabem que eu procuro os negros, no mundo.
Dona Zica, Dona Neuma, Jamelão, Elmo José dos Santos, minha amiga divina Célia Domingues da Amebrás e... meu Deus, o Doutor Alcione Barreto, jovem e cabeludo, bem apessoado, em pé, sem a cadeira de rodas em que me acostumei a vê-lo nos últimos anos. Fotografei a fotografia para mandar imprimir em papel, planejando dar uma cópia para Elmo e Célia, e outra para Alcione, quando eu iria sacaneá-lo dizendo: “Foste um pedaço, hein, meu Dinossauro preferido!”.
Nisso toca o telefone, meu amigo Aroldo Mendonça dizendo que já passara na minha portaria para deixar o envelope, e que agora estava indo para o cemitério São João Batista, porque estava acontecendo o velório de Alcione. Gelei. Diante da foto dele, e dos planos para rir com ele, a notícia de que ele já estava em câmara-ardente. Corri para o cemitério, relembrando as viagens para o Carnaval da Argentina, nos últimos três anos, onde a companhia do ilustre sábio sempre me enchia de prazer e admiração. Um anjo esperto.
Quando cheguei à capela, o hall, as escadas, a portaria estavam cheios de sambistas. E eu não esperava menos. Me esgueirando, cheguei ao caixão, calor enorme, dois discursos mais intelectualizados se fizeram pronunciar, e foi aí que Elmo avançou ao bumbo, colocou-o no talabarte que pendia de seu ombro, e pensei: “Eita, vai começar!”. Como diz a tradição africana, herdada pelo povo do samba, a morte pede cantoria e uma leve gira, que no terreiro seria o axexê.
Pois Elmo, Alvinho e Xuxu puxaram o belíssimo samba Quando um poeta de Mangueira morre... e meus olhos encheram-se de lágrimas e meu coração de orgulho por pertencer àquela gente, àquela tribo. Estava na hora certa no lugar onde queria estar. Que glória cantar belezas a um amigo morto, cuja vida foi digna e benevolente.
Vivo aprendendo com o povo negro e o povo de samba. Esta foi mais uma, cantar para o morto, que deve entrar sambando no céu. Como disse Elmo, mais um anjo da guarda ao lado de papai do céu, para cuidar do samba. Adorei ter te conhecido, Alcione querido!