Por bferreira

Rio - Mas pode ser um homem de Deus e traficante ao mesmo tempo? Então dá para assobiar e chupar cana com a mesma boca! Estou tão intrigado com as reportagens denunciando a expulsão dos terreiros de candomblé e umbanda das comunidades do Rio. Porque às ricas vielas eles nunca chegaram (são os chiques que vão ao subúrbio fazer uma fezinha com os pais de santo; se bem que eu ia adorar atabaques tocando lá na Península, na Barra. Imagina as emergentes rodando na gira de vestidos longos Chanel e colares de diamantes, com seus topetes louros de laquê fazendo frente ao pachorô de Yansã? Pode até ter um oráculo por lá, mas é escondido, coisa de preto, favelado, mas quando joga ninguém fica parado).

Ao contrário, os templos das religiões não negras sempre foram construídos em estardalhaço, com torres que tentavam levar o fiel ao céu, mármores que vinham não sei de onde da Judeia, ogivas no teto, de ouro. Sempre foi um jogo desigual, mas era pautado pelo “branco tem dinheiro e preto é escravo”. A conta bancária era gorda, mas o espírito, supunha-se, fraterno. Só que no qualificativo traficantes “convertidos por Jesus” você tem a mais insuperável das contradições: continua o poder econômico, acrescido do poder dos fuzis e, mais que isso, um território dos guerreiros de Cristo defendendo exclusividade de culto encravado num Brasil laico, que garante a liberdade de culto.

Vamos fazer um cambalacho mental para compreender o incompreensível. Inspirado na hipocrisia religiosa que sempre deixou maridos chifrarem as mulheres sem problemas (é só se confessar que zera a conta do pecado), estes novos machos poderiam matar e amar a Deus, porque o toma lá dá cá está valendo, e você não precisaria professar 100% dos preceitos morais dos mandamentos, porque é possível estar com a cruz e a caldeirinha ao mesmo tempo.

Esta proposta elástica de conversão interessa a que tipo de pastor? Ou isto é um corretor de imóveis, que para além das consciências precisaria das geografias? A mercantilização da fé está chegando às raias da loucura, permitindo que os malignos exterminadores possam se designar frequentadores do culto tal. Um grande retrocesso, inclusive histórico, porque já pararam para pensar que cada um expulso refaz em sua caminhada, quando não pode levar nem a trouxa das roupas brancas, a diáspora da negritude arrancada de África para recomeçar no Brasil? Triste sina esta de levantar acampamento só com sua verdades interiores. Levam-lhes tudo o que é material, menos a gloriosa dignidade dos verdadeiros praticantes do sagrado, abandonados que foram pelo Estado.

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