Rio - E assim se foi La Bengell, levada pelo câncer que corroeu o pulmão gasto pelos cigarros dos dias e das noites. Foi embora a musa do Cinema Novo, que encantou gerações de sexo reprimido. Foi a mulher desejada, de corpo escultural, que intimidou homens com sua atitude ousada no seu modo e estilo de viver.
A vida tem lá suas controvérsias. Estrelas mudam de lugar, e Norma Bengell não escapou. Um dia deixou o espaço que sempre ocupou, perdendo seu brilho, o corpo. Sim, a idade é um castigo para a beleza e a juventude. Na contramão de tudo, permaneceram o talento o carisma, a voz inconfundível da “artista completa”.
Gravados em prata estão seus filmes, suas interpretações eternizadas — se o tempo e os maus-tratos não os corroerem como a doença assim o fez com ela. Sem cuidados, sua filmografia pode se perder como ela, e viveremos de pequenas lembranças de fotos e alguns arquivos pessoais da mulher de tantas histórias e aventuras.
Sua ultima aparição como Deise Coturno, no seriado ‘Toma lá, dá cá’ (2008), é a antítese da mulher que um dia foi — feminina, desejada, sexy. Aquele famoso corpão violão. Teria se desencantando com os homens? Pode ser... Mas não importa.
Paixão de diversos adolescentes dos anos 60, Norma escandalizou a sociedade com o primeiro nu frontal do cinema brasileiro no filme ‘Os Cafajestes’ (1962). Vivíamos uma época de repressão sexual, e Norma, sem a menor cerimônia, com sua beleza e seu olhar únicos, rompia os padrões vigentes de pudor e recato, embalando desejos e fantasias.
Talvez tenha pago caro por suas ousadias, inquietudes e inconsequências. Como todas as personalidades à frente do tempo, incentivou mulheres a romper suas limitações com a sensualidade e a sexualidade, impondo um estilo Norma de ser que não se sustentou até o momento de sua morte.
Assistimos, nesse roteiro trágico em que se transformou sua vida, ao despreparo para a velhice e à imaturidade de quem um dia foi estrela e viveu intensamente sem imaginar o futuro. A vida não é roteiro de cinema, não é ficção, é uma sequência de realidades onde a fama do passado não paga dívidas do presente.
Fernando Scarpa é psicanalista