Rio - Todos têm o seu lugar preferido em casa. Quando têm casa, é claro. Quando eu estava com nove, dez anos e morava em Santos numa casarão com um quintal cheio de árvores, passava a maior parte do tempo numa casinha de madeira que meu pai mandou fazer num pé de fruta do conde, não, acho que pé de goiaba que dava umas frutas rugosas, dentro tinha uma gosma branca que eu detestava.
Eu subia por uma escada de corda que depois puxava e ficava lá horas e horas lendo livros de Monteiro Lobato e de Karl May (alguém aí lembra do Winetou?), O Tico Tico e gibis do Super Homem, Flash Gordon e Namor, o Príncipe Submarino . Mais tarde mudamos para o Rio – rua Conde de Bonfim, 521, casa da minha avó onde hoje funciona uma sinagoga. As voltas que o mundo dá: meu tio-avô Bernardo era nazista , passava os dias no porão, cuidando das suas carabinas e cartuchos - tinha paixão por armas, seu esporte predileto era tiro aos pombos, mais brutal que touradas.
Ficou desolado quando o ‘esporte’ foi proibido. Nas paredes do seu bunker, bandeiras com a suástica e fotos de Hitler. Hoje, neste apartamento no Leblon, meu lugar de estimação é um sofá na sala. Passo um tempão sentado em frente à TV, que só ligo quando tem jogo de futebol e mesmo assim quando tem Messi, o nosso menino com cabelo de comanche e mais dois ou três. Embaixo da TV tem uma cômoda cheia de coisas que não canso de olhar e que fomos juntando em andanças.
A saber: dois cinzeiros, um dos Mcsorleys e do Sardis, um calendário do Moma, trazidos de NY, um monte de sapos de cerâmica, um osso de baleia encontrado numa praia em Cartagena, um llama de pelúcia, uma estatueta de antílope que comprei em Luanda, um retrato de Célia feito pelo Chico Caruso, e fotos, com Chico, Eliana, Célia e Mariana, filha dela, Millôr, Zé Aparecido, Tom Jobim, Paulo Casé e Guga, eu aos cinco anos fantasiado de pirata, a foto que ilustra a crônica, com amigos no baile Parece que foi Ontem, no século passado . Isso aí é uma vida, e cabe em cima de uma cômoda. Que coisa, hem?