Rio - E o que pensará neste começo de ano o Macunaíma que existe em nós. Do mais pobre ao cara que ganhou a Mega-Sena (já pensou na trabalheira que dá gastar aquela grana)? Como se sabe, somos feitos à imagem e semelhança de Deus. Ele fez o mundo em sete dias e depois descansou, nunca mais fez nada. Quem nos dera, pobres mortais, fazer o mesmo.
A ilustração (um desenho ainda vale por mil palavras?) mostra como me sinto ao escrever esta crônica: 2014 me parece algo intransponível. Alguém mandou pela internet um poema atribuído a Carlos Drummond de Andrade, tem tudo a ver com o que estou falando. O título é ‘Cortar o Tempo’. Transcrevo um pedaço: “Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias, a que deu o nome de ano, foi um indivíduo genial. Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão.
Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovação, e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui pra frente vai ser diferente.” Eu não conhecia esses versos. “Indivíduo genial” e “limite da exaustão” me parecem expressões muito gordurosas para o poeta. Com a palavra, os entendidos em CDA.
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Passamos o Réveillon em Itaipava, para fugir dos turistas argentinos, do calor e dos assaltos no Rio. No Rio faz 40 graus , aqui faz ‘apenas’ 37 — por conta dos desmatamentos e das construções ilegais nas margens dos rios. Por que os turistas argentinos não vêm pra Itaipava, a apenas uma hora de estrada? Porque aqui não tem calçada e portenho adora andar nas calçadas do Leblon para ver vitrine (não compram quase nada).
Quanto aos assaltos, as UPPs pacificadas fazem alguns bandidos fugirem para a serra. Azar o nosso, de vez em quando depenam alguma casa de campo vazia e tentaram roubar a sacola da nossa cozinheira. Aliás, Petrópolis está cada vez mais parecida com a Zona Sul: picharam o busto de Dom Pedro, como o de Drummond. O lixo se amontoa nas ruas, sem ser recolhido. Os preços dos restaurantes subiram absurdamente, o serviço piorou, e a comida também.
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Quando chove, as ruas ficam inundadas, e a lama se amontoa (valeu pela criatividade: como a Praça da Bandeira sempre alaga, inauguraram um piscinão lá). E enquanto no Rio ameaçam destombar (novo termo no pedaço) a Zona Portuária, em Petrópolis querem fazer o mesmo com vários prédios históricos. Logo na única cidade imperial das Américas! É ou não é abusar do direito de ser burro?