Henfil e seus dois irmãos, Betinho, líder da Ação Popular perseguido pela ditadura, e Chico Mário, cantor e compositor, todos hemofílicos, foram vítimas da Aids contraída em transfusões de sangue
Por tamyres.matos
Rio - Henfil faria 70 anos na terça-feira. Era 12 anos mais moço que Ziraldo e eu. Quando o ‘Pasquim’ começou, em 1969, ele já tinha desenhos publicados na revista ‘Alterosa’, de Belo Horizonte, e depois no ‘Jornal dos Sports’, do Rio, para onde se mudou. Era eu quem estava na redação do ‘Pasquim’ — então na Rua do Rezende — quando adentrou minha sala para mostrar uma pasta de cartuns, depois do estrondoso sucesso do lançamento do jornaleco. “Como é mesmo o seu nome?” (bolado por Roberto Drummond a partir de Henrique de Souza Filho). “Henfil? Parece assovio: Henfil-Fiu. Mas gostei , deixa a pasta aí.”
E já no número 2 foram publicados os primeiros desenhos do Henfil no semanário. Tempos depois, me confessou que a piada o deixou tão furioso que ficou zanzando no Calçadão de Copacabana e quase teve uma insolação (em se tratando de humoristas, isso não é novidade. São tremendos gozadores, mas detestam serem gozados). Enfim, ficando grandes amigos, estávamos juntos quase o tempo todo, seja na redação, no antigo Lamas, jantava lá todos os dias — em geral risoto de camarão — ou em Arraial do Cabo, então uma aldeia de pescadores, onde éramos vizinhos nos fins de semana. Foi — e olha que conheci figuras incríveis — meu tipo inesquecível.
Publicidade
Trabalhava freneticamente, sabendo que tinha pouco tempo pela frente. Ele e seus dois irmãos, Betinho, líder da Ação Popular perseguido pela ditadura, e Chico Mário, cantor e compositor, todos hemofílicos, foram vítimas da Aids contraída em transfusões de sangue. A morte prematura dos três foi um desastre cultural para o Brasil. Henfil foi embora com apenas 44 anos, no auge da criatividade. Imagina o que teria feito se estivesse vivo. Quando esteve em Nova York, me mandava longas cartas, pelo menos duas por semana. Os gringos gostaram, mas queriam que ele americanizasse seus personagens. Ele, é claro, não topou e acabou voltando.
Durante a fase em Nova York me mandava longas cartas, pelo menos duas por semana. Quando decidiu editar ‘Diário de um Cucaracha’, me pediu as cartas para incluir no livro. “Ô, rapaz, joguei fora...” Quase teve uma apoplexia: “Não acredito! A maioria das cartas escrevi para você e para o Tarik (de Souza, crítico musical).” A coisa piorou quando eu disse: “Você me desculpe, pensei que tinha escrito para mim e não para a posteridade.” Henfil foi um desenhista genial: com três rabiscos, consegue expressar todas as expressões imagináveis. Frase — nada mais, nada menos — do Ziraldo. Eu assino embaixo.