Por bferreira

Rio - A idade me fez perguntar sobre a parede no exame de vista:

— O senhor está vendo aquelas letras na parede?

— Que parede?

Pois é. Graus de cegueira não escondem no tapete da civilidade a sujeira dos dias de folia. Uma guimba, um chiclete mascado, menor que fossem, já transbordavam das caçambas abóboras.

Uma estratégia de trânsito me jogou, via Gamboa, para os fundos da Central do Brasil, coração do comércio de bebidas, descartáveis e outros adereços de consumo. O lixo acumulado traria timidez à época de Gramacho, um fim de mundo brasileiro. Nesse itinerário cabe um parênteses, sem GPS.

Setas e cones indicavam, diante da Via Binário congestionada, um acesso ao túnel Santa Bárbara pra escapar à Zona Sul. Próximo ao destino, outro desvio e sou apresentado a Rua da América, Santo Cristo, entrada do Morro da Providência. Mais uma hora de ansiedade social.

Cena de Jack Nicholson, ‘Um Estranho no Ninho’. Volto ao Carnaval. Recomendado pelo generais, faço uso do transporte público. Estação Glória, a mais próxima do meu CEP. Portões fechados. O Metrô só liberou a entrada pelo Outeiro, o breu do bairro. Corro feito um componente da Unidos da Tijuca fantasiado de Ayrton Senna. Preciso chegar inteiro à Sapucaí.

Vagões lotados, dignos de um dia de Carnaval, me resigno até a Praça Onze, ponto final desse desfile de percurso. Portões fechados. O Metrô concluiu em sua engenharia de tráfego que uma saída bastava. Componentes da Mangueira, Salgueiro e Beija­Flor, espremidos na roleta da Marquês de Sapucaí, servem de enredo à tragédia anunciada.

Nos blocos na moda, alguns quase baianos, Circuito Lapa­Leblon, gente pelo ladrão. Pelo lesado também.

As meninas fazem malabarismos com garrafas de vodca. Equilibram a dose pelo gargalo, garganta adentro. Os rapazes marombam seus músculos levantando o peso de ‘pets’ de energéticos em doses industriais. Desmaiados, espumam dialetos, um idioma distante de seduzir a colombina.

Minha memória se ilumina diante dos amores de Carnaval. Alguns, eternos, resistem na avenida da harmonia, cadenciados nos versos do enredo. Do salão decorado, só o camarote testemunha o primeiro beijo, na máscara negra, um tímido folião. Eu sigo aqui, cinzas da euforia, dando parabéns à Tijuca. Ainda rouco com a Renascer, dobro a folhinha do mercado e, um círculo na data, saúdo os cariocas: Feliz Ano Novo!

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