Rio - Em 1964 eu morava no Rio, em um ‘apertamento’ na esquina das ruas das Laranjeiras e Pereira da Silva. Ali se instalavam os jovens dirigentes da JEC (Juventude Estudantil Católica) e da JUC (Juventude Universitária Católica), movimentos da Ação Católica. Ali se hospedavam, com frequência, os líderes estudantis Betinho, Vinicius Caldeira Brant e José Serra.
Desde que cheguei ao Rio, vindo de Minas, o Brasil vivia em turbulência política. Despertava o gigante adormecido em berço esplêndido. Tudo era novo sob o governo João Goulart: a bossa, o cinema, a literatura...
A Sudene, dirigida por Celso Furtado, aliada ao governador de Pernambuco, Miguel Arraes, redesenhava um Nordeste livre do mando coronelístico de usineiros e latifundiários. Francisco Julião defendia as Ligas Camponesas, que lutavam por reforma agrária. Paulo Freire implantava, a partir de Angicos (RN), seu método de conscientização política dos pobres através da alfabetização.
No Sul, Leonel Brizola enfrentava os monopólios estrangeiros e defendia a soberania brasileira. Marinheiros e sargentos do Exército se organizavam, no Rio, para reivindicar seus direitos.
“Verás que um filho teu não foge à luta.” Porém, os filhos não tinham suficiente lucidez para perceber que, desde a renúncia do presidente Jânio Quadros, em 1961, vinha sendo chocado, pelas classes dominantes, o ovo da serpente...
A embaixada estadunidense, ainda instalada no Rio de Janeiro, e tendo à frente o diplomata Lincoln Gordon, movia-se à sombra para atiçar os militares brasileiros — muitos deles treinados nos EUA — contra a ordem democrática. Rios de dinheiro foram destinados a preparar as condições para o golpe de 1º de abril de 1964.
Em 29 de março, viajei para Belém, onde o golpe militar me surpreendeu três dias depois. Custei a acreditar que o presidente Jango, constitucionalmente eleito, havia se refugiado no Uruguai.
Aguardei a tão propalada reação popular. O PCB (Partido Comunista Brasileiro) garantira que, em caso de golpe, Prestes haveria de convocar milhares de trabalhadores em armas. A Ação Popular, movimento de esquerda oriundo da Ação Católica, prometera mobilizar seus militantes para defender a ordem democrática.
Esperei em vão. Reações isoladas, inclusive de altos oficiais das Forças Armadas, foram logo abafadas sem necessidade de um só disparo de arma de fogo. E ninguém acreditava que a ditadura duraria 21 anos.