Rio - Nos anos 90 dediquei-me de corpo e alma à causa das crianças e adolescentes. Era o juiz da Infância e da Juventude, e entrava em vigor o Estatuto da Criança e do Adolescente. Havia cerca de 12 mil pequenos abandonados nos abrigos do Rio de Janeiro, e minha equipe resolveu baixar esse número, o que fizemos realizando mutirões de audiências em todos os abrigos com as equipes técnicas e os pais que os abandonaram. Passados seis anos, o número passou a pouco mais de três mil, que ainda continuaram abrigados em estado de abandono familiar.
Esse mutirão hoje é chamado pelo CNJ de audiências concentradas, mas na época teve pouca compreensão de alguns setores. Alguns promotores que não queriam se deslocar para os abrigos — as audiências com os pais começavam às 8h e não tinham hora para terminar — divulgaram uma Carta Aberta contendo injúrias à pessoa do juiz, atribuindo ilegalidades a essa ação. Por tais aleivosias, o Estado foi processado e condenado a pagar vultosa importância a título de danos morais.
Recebi recentemente o precatório com vultosa importância que me foi paga pelo povo do Rio de Janeiro com seus tributos, inclusive o meu próprio. Ora, isso não é justo nem correto. Se quatro promotores foram os autores das injúrias assacadas contra o magistrado que trabalhava para retirar as crianças e adolescentes do estado de abandono familiar em que se encontravam, por que toda a população tem que arcar com esse ato irresponsável? Afinal, não se trata de ação no exercício do múnus profissional de fiscalizar os atos judiciais, pois esses acontecem através dos meios administrativos e judiciais cabíveis. A divulgação de inverdades através da mídia atacando a honra e a imagem de um magistrado é ato pessoal de fofoca e intrigas que deve responsabilizar os seus autores, e não o Estado para o qual trabalham.
Recebido o valor da condenação que me era devido, representei à Procuradoria-Geral do Estado para que promova a necessária ação de ressarcimento do Erário pelo prejuízo causado pelos promotores. A democracia não subsiste sem um Ministério Público forte e atuante, mas a atuação persecutória de alguns representantes do Parquet coloca em risco a respeitabilidade de tão importante e necessária instituição. Não raro se veem promotores usando a autoridade que a Constituição lhes confere para perseguir políticos e administradores públicos que não rezam na sua cartilha. Uma reclamação constante dos conselheiros tutelares, instituto autônomo e institucional, da ação de permanente intervenção indevida de alguns promotores em suas atividades, menos para fiscalizar sua atuação, e mais para substituir a ações dos conselheiros na missão de garantidor dos direitos das crianças e adolescentes.
Desembargador do TJ e membro da Associação Juízes para a Democracia