Por bferreira

Rio - É preocupante a relativização dos horrores da ditadura. Quando deveríamos pensar em aprofundar a democracia, vemos pedidos de fechamento “desse Congresso corrupto”, opiniões do tipo “no tempo da ditadura isso não acontecia”, reedições da “Marcha da família com Deus pela Liberdade”, deputados saudosos da tortura e extermínio de opositores defendendo aqueles anos de chumbo no Congresso, e jornais dizendo que foi uma “ditabranda” porque no Chile e na Argentina “foi pior”.

Militares, com apoio empresarial (bem mostrado no documentário ‘Cidadão Boilesen’) e de setores conservadores, derrubaram governo democraticamente eleito. No clima da Guerra Fria, o argumento se baseava na paranoia de que a esquerda faria a revolução comunista no Brasil. Mesmo que existissem grupos com tal intenção, não havia possibilidade de isso ocorrer. Os recursos, em dinheiro e armas, estavam do outro lado: nos setores que queriam impedir a todo custo as reformas de base e o aumento da votação nos partidos de esquerda.

É comum, até para quem admite “excessos” na ditadura, achar que houve pontos positivos. O período de crescimento econômico de 10% ao ano com grandes obras de infraestrutura é chamado de “Milagre Econômico”. Mas mesmo isso não pode ser visto como virtude. De nada adianta um país crescer se os benefícios do crescimento não são compartilhados por todos. O regime militar, instaurado para evitar a igualdade, foi caracterizado pela concentração de renda e empobrecimento dos trabalhadores. Além disso, a dívida externa, que por décadas seria o grande obstáculo para os investimentos de que o Brasil necessitava, saltou rapidamente de 3,7 bilhões de dólares para 12,5 bilhões entre 1968 e 1973.

O golpe contra o presidente João Goulart ocorreu porque ele pretendia realizar reformas importantes, como a agrária, a bancária, a urbana etc. Tais reformas foram impulsionadas pela pressão de movimentos sociais, como o estudantil, o sindical e grupos progressistas da Igreja Católica, depois desmobilizados pela repressão. Na ditadura, diferentemente da democracia atual, a corrupção existia mas ficava escondida, pois não havia fiscalização.

Por fim, mesmo que a ditadura tivesse virtudes, seria ainda assim indefensável. Eletrochoques em mamilos e genitálias, estupros contra prisioneiras, inclusive grávidas, e outras torturas bárbaras não podem ser relativizados. Nem esquecidos.

Simões Reis é doutor em Ciência Política e professor da Unirio

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