Por bferreira

Rio - ‘E se o mundo inteiro virasse um imenso Brasil? Seria um pesadelo ou uma utopia? Seria o mar virando sertão ou o sertão virando mar?’ Eu acrescento: e se em lugar da tão sonhada escandinavização nosso país se transformar em padrão mundial do capitalismo selvagem, da desigualdade, da injusta distribuição e concentração de renda, da miséria, dos empregos instáveis, do precariado, da violência epidêmica, do desprezo pelos mais fracos (pretos, pardos, pobres), da prostituição de menores, dos linchamentos, da violência policial, da prisão sem critério... Em síntese: e se o mundo se ‘brasilianizar’ em seu lado trágico? (veja nesse sentido Juremir Machado da Silva, na apresentação que fez do livro ‘Hedonismo e Medo — O futuro brasileiro do mundo’, do francês Giuliano da Empoli).

Em certo sentido, é precisamente isso o que já está ocorrendo, posto que o Brasil, com 16 cidades, é o campeão mundial no ranking das 50 mais violentas do planeta (com mais de 300 mil habitantes). Depois aparecem México, Colômbia, Venezuela, Estados Unidos, África do Sul, Honduras, El Salvador, Jamaica, Guatemala, Haiti e Porto Rico.

Do primeiríssimo grupo do IDH muito elevado (aí temos 47 países), como se pode notar acima, somente aparece um único país: EUA (com quatro cidades). Os demais não fazem parte da elite dos mais desenvolvidos. Isso vai ao encontro da nossa hipótese de trabalho de que a violência está, desde logo, vinculada com a desigualdade (que marca todos os países acima, como se vê pelo índice Gini alto, incluindo-se os EUA) — mas a desigualdade, de qualquer modo, não é a única causa da violência.

A América Latina é a região mais sangrenta do mundo (com 86% do total, é a lixeira do mundo, em matéria de política criminal, violência e segurança). San Pedro Sula (Honduras) é a cidade mais violenta do planeta, com 187 assassinatos para cada 100 mil pessoas. Ou seja: ela é quase 180 vezes mais violenta que a média de homicídios (1,1) dos 18 países ‘escandinavizados’ (Dinamarca, Suécia, Noruega, Finlândia, Islândia, Holanda, Bélgica etc.). O levantamento revela que a violência nas cidades mencionadas é até 18 vezes mais que a taxa epidêmica reconhecida pela OMS-ONU: 10 para 100 mil pessoas.

As reações contra essa triste realidade nacional (que está brasilianizando várias partes do mundo) são sempre burocratizamente padronizadas: as autoridades garantem que estão adotando medidas para reduzir a violência (formação policial, punição dos maus agentes, melhora na estrutura e na gestão etc.). Na verdade, estão sempre enxugando gelo com toalha quente (porque enquanto não reduzirmos nossa desigualdade socioeconômica, mediante a massiva escolarização de qualidade e a melhora na renda per capita, nada vai mudar de forma significativa e sistemática).

Luiz Flávio Gomes é jurista e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil

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