Por bferreira

Rio - Quando a gente é criança, uma das primeiras coisas que a mãe ensina é para não falarmos com estranhos. E aí que depois de velha, tal e qual a minha progenitora, tenho achado ótimo sair falando pelos cotovelos com pessoas que nunca vi antes, exatamente como mamãe fazia na fila do banco, o que me irritava profundamente. Ela me enchia para fazer companhia a ela para, ao chegarmos ao banco, depois de uma hora em pé, ficar puxando papo com todos, menos comigo. Sempre falava: “Da próxima vez, não me chama”. E ela ria. Dia seguinte, lá estava eu de novo. E naquele tempo não tinha celular...

Enfim, voltando ao início. É muito bom se surpreender positivamente. Sei que já escrevi isso antes. Mas nem só de manés vive o mundo, pensamento que me ocorre com frequência nesses tempos de intolerância. Estressada, saí para caminhar e me sentei num banco ao lado de uma mulher mais velha que eu, cabelo chanel pintado de louro, comendo um salsichão. Não sei quem começou, só lembro das duas frases iniciais.

“Isso, toma coco para ficar forte”, disse ela, olhando para o bebê no meu colo, que acabara de ganhar uma mamadeira de água de coco. “Esse salsichão tá bom?”, perguntei.

Foi o começo de uma conversa que, se não fosse por ela a dizer que precisava ir, estaria eu já contando sobre a minha terceira geração. As duas falaram diversos assuntos. Ela ouvia atentamente, interessada. Me disse algumas coisas, e apreciei o fato de estar prestando atenção, tentando dar alguma resposta que não fosse uma resposta padrão educada.

Interessante esse exercício. Um papo totalmente despretensioso que me fez abrir o coração e pensar em tantas coisas, como, por exemplo, nessa velha mania de falarmos algumas frases socialmente que não dão em nada na prática. Aquele “passa lá” que nunca se concretiza ou dizer que vai, sim, e nunca aparecer, só para não ouvir: “Ah, mas por que você não vai? Ah, vai...”, certos meandros para não discutir. Não sei quando passamos a agir assim, com um quê de redes sociais, mas certamente foi bem antes delas. Uma espuma boiando na superfície, sem que se enxergue o interior da xícara, discrição vazia, da frieza dos relacionamentos atuais.

É muito bom ouvir conselhos e não estar na defensiva.

Não sei nada sobre aquela moça. Só que a mãe dela cozinhava o salsichão antes de fritar, e que desde a adolescência ela não se permitia uma gulodice daquelas. Ela sabe de mim que eu estava estressada e saí para pegar ar. E tenho certeza de que voltou para casa tão leve quanto eu.

Nesse dia, assim, por nada, eu entendi e aprendi o valor de estar desarmada.

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