Por adriano.araujo

Rio - Deve ter sido há uns 20 anos que ouvi pela primeira vez a expressão ‘viajar na maionese’, que atribui à mistura de gema de ovos com óleo vegetal a culpa por atos alucinados, comparáveis aos provocados por drogas ainda mais pesadas. Em décadas de consumo de maionese, como molho ou na versão salada de batata, nunca notei qualquer alteração no meu estado de espírito; as garfadas, no máximo, geraram algumas dores de barriga.

Uma inegável viagem na maionese é a tendência brasileira de incluir a tal salada cremosa como acompanhamento de churrascos, inclusive aqueles festivos, em pleno verão. O prato é preparado lá pelas oito da manhã e fica no centro da mesa — pegando calor, coberto por um pano de prato — até a hora de ser consumido, por volta das três da tarde, quando a mistura já se transformou num playground de salmonelas. Quantas vezes não vimos no ‘Fantástico’ ou lemos nos jornais de segunda-feira reportagens sobre um almoço beneficente de paróquia que terminou no hospital, com soro fisiológico sendo servido de sobremesa?

Aprendi a tomar tanto cuidado com a salada de batatas com maionese que há um tempão decidi só consumi-la em casa ou em tradicionais bares de comida alemã. Quando trabalhava em TV e viajava pelo interior, chegava ao extremo de, nos incontáveis almoços em churrascarias de beira de estrada, proibir o consumo da iguaria por integrantes da equipe. Maionese, só depois de encerradas todas as gravações. Eram viagens sem maionese.

O idioma, vivo e dinâmico, está sempre aberto para incorporar formas de traduzir e resumir o mundo. Como bem notou o professor Ivan Cavalcanti Proença no livro ‘Futebol e palavra’, ir na bola como quem vai num prato de comida é algo que só poderia ser criado num país onde a fome era tão presente quanto o gosto pelo futebol. Assim, a tal viagem na maionese não saiu do nada. Suponho que a expressão tenha a ver com a consistência do produto, algo indefinido, entre o líquido e o sólido, escorregadio. Há quem fale em ‘escorregar na maionese’ para definir casos de estupefação temporária e de privação dos sentidos; é como se alguém tivesse derrapado e perdido, por algum tempo, o controle e os freios.

Na dúvida, respeito a maionese e temo suas consequências. Uma embalagem, mesmo nas versões light e sem colesterol do produto, armazena riscos, possibilidades de destempero, de viagens desagradáveis e de dolorosos escorregões — nunca se sabe quando o pote está até aqui de mágoas.

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