Por bferreira

Rio - Um magistrado, aproveitando-se que um réu indefeso estava algemado, esbofeteou-o no rosto. O gesto covarde gerou a invasão do Fórum de Bangu por meliantes, e o resultado foi a morte do pequeno Kaio.

Uma criança bate à porta do Judiciário do Rio Grande do Sul, pedindo socorro porque o pai e a madrasta o agridem sistematicamente. O magistrado, sem equipe técnica capacitada, devolve-lhe aos seus algozes. O menino Bernardo é morto.

Uma criança implora socorro à família, que se revela ‘surda’. A pequena Isabella Nardoni é sacrificada por seu pai e madrasta. Não são histórias de ficção. São alguns fatos graves que vem a público esporadicamente porque muito maior é o número de crianças maltratadas e sacrificadas por seus familiares.

O Instituto de Segurança Pública divulgou o número de 152 mil atos violentos registrados contra crianças e adolescentes nas delegacias do Rio entre 2005 e 2011. Evidente que esse número não representa mais que 10% da realidade, porque é raro o caso de criança violentada que procura uma delegacia para registrar a violência.

Em 4 de junho, Dia Mundial de Combate à Violência contra Crianças, o Senado, após tramitação de mais de quatro anos, aprovou a lei que veta o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante na educação de crianças. Um senador distraído afirmou que não teve tempo de ler o projeto, objeto de várias audiências públicas e debates acalorados em todo o Brasil. Alega o senador que a violência contra criança é regra bíblica, pois em Provérbios 23:13-14 está escrito “Não evites disciplinar a criança se você a castigar com a vara, ela não morrerá. Castigue-a você mesmo, com a vara, e assim a livrará da sepultura”.

Evidente que só os fundamentalistas ainda interpretam a Bíblia literalmente. Ainda que assim fosse, o texto indica que a o castigo com a vara nos tornaria imortais. Ignorância pura. Essa era a lei dos homens que ainda não haviam atingido um grau de civilização e pregavam ‘o olho por olho, dente por dente’. O Cristo veio dar a outra face e pregar a Lei do Amor, da disciplina, pelo exemplo, pelo conselho, pela Palavra, pela educação. Na boca de Cristo não há incitação à violência, muito ao contrário.

Entretanto, se querem dar uma interpretação literal, devem saber que a palavra ‘vara’ simboliza Justiça, e não violência. Tanto que até hoje trabalhamos os juízes nas Varas Cíveis, Varas Criminais, Varas de Família, etc.. Portanto devemos corrigir nossos filhos com Justiça, e não com a Vara que os fundamentalistas trazem nas mãos.

O que se deve desejar para as próximas gerações são ações construtivas positivas baseadas numa disciplina que cultive o respeito e o amor mútuo. O castigo, ação de natureza disciplinar ou punitiva com uso da força física que resulte em sofrimento físico ou lesão à criança ou ao adolescente, e o tratamento cruel ou degradante que o ameace gravemente ou o ridicularize devem ser eliminados da nossa cultura.

O deputado que se diz representante de bancada cristã e hostilizou em plena sessão Xuxa Meneghel, defensora dos ‘baixinhos’, questionando fatos de sua juventude, traiu o Mestre, a quem afirma servir, que em situação semelhante teria sugerido que atirasse a primeira pedra se ele fosse limpo. Claro que esse agressor teria saído correndo do plenário da Câmara e, certamente, acolitado por vários correligionários.

Beliscões, gritos e palavras chulas não mais existirão nem sequer nas sessões do Parlamento quando nos acostumarmos a tratar as pessoas em processo de desenvolvimento com respeito e dignidade.

Siro Darlan é desembargador do TJ e coordenador do Rio da Associação Juízes para a Democracia

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