Por bferreira

Rio - A cultura hiper-militarizada da segurança pública no Brasil parece se acentuar no Rio, onde até 4.000 militares ocuparão o Complexo da Maré até o fim da Copa. São ainda alarmantes as imagens de forças fortemente armadas do Bope treinando policiais das UPPs. Apesar de obterem apoio popular, essas medidas apresentam o perigo de um retorno a um policiamento fortemente repressivo minar as conquistas do policiamento de proximidade que se tenta estabelecer desde o início da pacificação, em 2009.

O governo estadual teria razões para pedir reforços federais. Pelo menos 33 policiais militares foram mortos desde janeiro de 2014 (mais que o total em 2013), em ações que muitos acreditam coordenadas. Nos últimos meses, a escalada de assassinatos, mortes por vingança e ataques faz com que se fale de guerra entre polícia e facções criminosas. A polícia militar e as UPPs em particular operam acima de seus limites na expansão do programa de polícia pacificadora em alguns dos ambientes urbanos mais desafiadores do mundo.

Na opção por um policiamento mais repressivo, a história se repete. Em 2010, a pedido do governador Sérgio Cabral, o presidente autorizou o envio de mais de 800 militares armados para pacificar o Alemão. A abordagem militarizada de policiamento remonta há mais de um século. Antes da independência do país, já existiam as forças militares estaduais, que cuidavam da manutenção da lei e da ordem. Nos anos 30, Vargas converteu essas forças em polícia, com o papel de manter a ordem e subordinadas, como a Polícia Civil, ao governo estadual.

As polícias estaduais passariam a ser um braço forte do Estado. Na ditadura (1964-1985), cabia a elas esmagar a oposição, e os policiais exerciam suas funções com entusiasmo. Até hoje associam-se a policiais brasileiros milhares de óbitos decorrentes dos chamados “autos de resistência”, que desde 2013 foram renomeados para “mortes decorrentes de ação policial”.

Anualmente a polícia brasileira é responsável por cerca de 2.000 mortes. No Rio, antes da pacificação em 2009, o índice era praticamente o de um morto a cada 23 prisões; em Nova York, a relação é de um morte para 37.000 prisões.

Os modelos adotados no Brasil contrariam os preceitos do policiamento e justiça em uma ordem democrática. Para uma verdadeira segurança haveria que repensar o ethos e a formação das polícias militar e civil, integrando-as para cooperar em vez de competir. Seria preciso maior investimento na formação de policiais das UPPs, que têm gerado resultados importantes. E, além disso, para que seja possível reduzir a espiral de violência entre a polícia e as facções, será necessário refundar o sistema penal, hoje saturado.

Não será a multiplicação dos exercícios de estilo militar e o aumento da repressão que promoverão uma segurança duradoura, mas, sim, o comprometimento em relação à proteção da vida dos cidadãos do país e o cumprimento da justiça.

Ilona Szabó de Carvalho é diretora do Instituto Igarapé

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