Por bferreira

Rio - Tirado de um livrinho meu, editado pelo Círculo do Livro em 1982, ‘É Pau Puro’. Tinha perdido há mais de 20 anos — até esqueci dele —, mas um amigo achou dois exemplares num sebo e me deu um. Cartuns publicados no ‘Pasquim’ e o relatório de uma viagem a Cuba, como convidado para o júri da Bienal de Humor de Havana: naqueles tempos de ditadura, voo direto para Cuba, nem pensar. O avião da Varig me deixou no Aeroporto do Panamá. O negão do táxi era boa-praça, se chamava Vergara. Eu disse que tinha um amigo no Rio, Carlos Vergara. “Soy Carlos Vergara.” Fui tomar uma cerveja com a versão panamenha do pintor. “Me leva até o Pacífico, Vergara, nunca vi.” Foi uma decepção — era igual ao Atlântico —, e a cerveja, aguada, também, apesar do slogan enigmático: “Si no hay Panamá, no hay cerveza.” Jantei num china perto do hotel (em cada dez botecos no Panamá, sete são chineses). O hotel me lembrou as espeluncas da Rua do Lavradio.

Mas era o que a grana que eu levava dava para pagar. O cara da portaria me avisou que era muito perigoso sair. Mesmo assim, fui para o ponto do ônibus (lá chamam de chivas, calhambeques lindamente decorados). O ponto final era um lugar chamado Tumba Muerto, desisti. Comprei uma garrafa de rum, voltei para o hotel. A luz do quarto era de 40 volts, tentei ler o livro do Gabeira de pé, em cima da cama, com o livro próximo da luz, mas os braços não aguentaram. Tomei um sonífero e meia garrafa de rum e apaguei.

Quando acordei, no dia seguinte, tinha perdido o avião da Ibéria para Havana. Depois de intermináveis horas de agonia, liguei para para o pessoal da Bienal, e o cônsul de Cuba conseguiu me encaixar num voo da Cubana de Aviación. Foi um voo, digamos, singular. Por dentro me lembrava a Viação Jurema, da linha Mauá-Caxias. Tremendo criouléu, eram tripulações de navios que se revezam no Panamá, cortadores de cana em lua de mel por conta do governo. A aeromoça, também preta, não parecia de acrílico como as que a gente conhece, olhava o ambiente com as mãos na cintura, bobs na cabeça, uma blusinha listrada de vermelho e branco, calças compridas azuis e ainda por cima fumando uma cigarrilha estoura-peito.

Os passageiros batucavam, dançavam e cantavam. Pedi uma cerveja, veio quente com uma pedrinha de gelo. Depois de duas horas e meia, avistamos a ilha. Vista do alto, não parecia comunista. As nuvens eram as mesmas que Baudelaire curtia, “les nuages, les merveilleuses nuages”, muito antes de Marx e Fidel (continua).

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