Rio - Fora da vida pública existem posturas de homens verdadeiramente exemplares, dignos de ser conhecidos, pelo sentido da ética, dos valores, do compromisso e da honra. E a vida me permitiu conhecer um caso exemplar e impressionante, envolvendo um empresário que marcou a vida nacional por, pelo menos, quatro décadas.
Trata-se de Antônio Sanchez Galdeano, que era um comerciante de secos e molhados, na Rua do Acre, importador de azeites, bacalhau etc, negócio herdado do pai. Depois ele veio a se tornar o primeiro a aproveitar o estanho no Brasil, com a Estanífera, em Volta Redonda, e depois atuou em empreendimentos imobiliários, se tornando personagem importante, no mundo dos negócios.
Pouco antes de morrer, o pai lhe recomendou que ficasse sempre atento aos primos, filhos de um irmão mais velho, que o acolhera e ajudara no início da vida, chegado da Galícia. Se soubesse que um dos primos estivesse em dificuldades, que auxiliasse prontamente.
Passados os anos, Galdeano era importante, amigo íntimo de Assis Chateaubriand, de JK, do então ministro da Fazenda, homem de sociedade. Carlos Lacerda, o violento oposicionista,e a banda acusava o governo de favorecer o amigo numa importação de uísque, nos tempos em que as licenças valiam ouro. E todos os dias os jornais contavam de supostas vantagens “ao Galdeano, importador de uísque”. Estas acusações nunca foram respondidas, o industrial nunca foi chamado para nada. Mas ficou como o homem do “uísque a meio dólar”.
Trinta anos depois, jantando com Galdeano e mais seu amigo, advogado e sócio no ramo imobiliário José Hugo Castelo Branco, ministro da Indústria e do Comércio, meu chefe, surgiu na conversa uma referência à campanha de Lacerda contra ele e o seu silêncio. Aí, o empresário nos surpreende com a revelação, que disse ser de conhecimento apenas de sua mulher e sua filha única, Tanit: “Eu não tinha nada com o uísque, que era representado no Brasil por meu primo – e é até hoje – e o Lacerda tinha o cuidado de só acusar o “Galdeano” sem dizer qual era. Sendo o mais conhecido e realmente amigo do ministro da Fazenda, todos pensavam que era comigo. Lembrei-me da recomendação de meu pai de proteger quando necessário meus primos e silenciei. Não tinha nada com o assunto e depois se constatou que nem meu primo havia feito qualquer importação irregular.”
Galdeano era proprietário de uma área no Leblon onde queria construir um hotel e alguns apartamentos. A prefeitura não aprovou o projeto por exigências ambientais e hoje parte da área esta favelizada . Coisas do Brasil.
Na eleição do presidente Castelo Branco, na hora de votar para vice-presidente, o deputado Aliomar Baleeiro, da UDN mais raivosa, que pertenceu à bancada da Bahia mas estava na do Estado da Guanabara e depois foi para o Supremo, votou em Galdeano, numa ousada ironia em relação ao candidato eleito José Maria Alckmin, por ele acusado no caso do uísque.
Homens de palavra, corretos, com sentido de dignidade é que tornam as nações mais ou menos respeitadas.
Aristóteles Drummond é jornalista