Por bferreira

Rio - Ajudem as criancinhas necessitadas”. A frase solta me veio à cabeça quando rabisquei o esboço de crônica, a centésima pra essa página. Era Pelé, nos braços do povo, fazendo este apelo no arcaico Maracanã. Ainda não éramos 90 milhões, nem mesmo tricampeões, e também não se votava pra governador ou presidente da república. Tampouco pra vereador, queriam nossa opinião.

Depois, parágrafo escrito, pensei no exagero de comemorar três dígitos de títulos escritos, perto do milésimo feito do Rei. Cabia repetir a profecia da nossa juventude, a infância no jardim da Avenida Brasil, na descida da Maré, pra lá de braba, ou nas areias escaldantes do Arpoador num dia de domingo? Uma pérola. Preciso causar impacto, inventar uma rede, uma bola pra beijar, uma luz difusa aonde sobressaia o placar, assim feito Túlio ou Dadá. Nada.

Estou por aí, diria Zé Keti em inspirado samba popular. Hoje saio de Milão em direção a Montreux, Suíça, mostrando meus sambas cariocas.Os especialistas falam da crise na Europa, desemprego, dívidas entre países, enfim, um pendura de falir qualquer birosca. A sensação pra mim permanece: sou o mais duro por essas bandas de Euros e relógios pontuais. Os carros respeitando a faixa, pães sem bromato e as frutas germinadas na semente original são detalhes de um cotidiano encasacado de história e civilidade.

Também estive há dez dias trocando acordes com os hermanos argentinos, parrilhas e malbecs a preços de churrasquinho do Viaduto de Cascadura, o valor do limão da casa no antigo Tangará, gengibre e canela em infusão. A mesma áurea de pobreza, mesmo trocando pesos, penas por pedras, amenizo o sentimento no cruzamento da Florida, vestida de verde e amarelo, desde a fisionomia, até as bolsas repletas de tênis e perfumes dos Andes.

A crônica sai entre carimbos no passaporte. Cem vezes agradeço aos editores e aos amigos que conseguem passar os olhos nas minhas observações avulsas.

Se o teclado estivesse sobre a mesa de um desses botequins de subúrbio, a motivação seria cutucar os cem quilos do vizinho aposentado, os cem chopes bebidos em pé, numa tarde de verão, mais religioso, os cem saquinhos de doces que a família sempre distribui em homenagem a São Cosme e Damião, as cocadas de abóbora, o suspiro de açúcar e vento, o pirulito de framboesa. Estou em militância musical. Volto a tempo de beijar o manto azul de Nossa Senhora Aparecida. Quem sabe, nesse dia de outubro, ajudar as criancinhas necessitadas.

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