Rio - Não precisamos apresentá-la: os meios de comunicação já popularizaram Malala, a paquistanesa que ganhou o Nobel da Paz. Projetou-se por transgredir um princípio dos talibãs, contrários à educação das meninas. A exclusão das mulheres no mundo muçulmano é marcante. Se Maomé tivesse tido um filho homem, talvez fosse diferente. Mas, com quatro filhas, não deixou sucessor, e sua visão de mundo religioso e político foi levada adiante por Maomé II e seus seguidores.
Malala é o símbolo da transgressão. Quem a pratica sempre ganha alguma coisa, embora perca outra. Adão e Eva aumentaram o conhecimento e perderam o Paraíso; os Carajás conheceram as belezas do Araguaia e perderam a imortalidade que só continuaria a existir se permanecessem no fundo do rio. A heroína paquistanesa ganhou a liberdade e a fama mundiais e perdeu o convívio com sua terra natal. O preço da liberdade foi o exílio.
A nossa realidade política, neste momento, às vésperas do segundo turno, não está empolgando os jovens. O grupo de eleitores entre 16 e 18 anos diminuiu. Quando tudo era proibido, queriam participar a qualquer custo. Hoje, participar não significa transgredir. Mas o mundo social e político precisa ocupar este espaço vazio entre os mais jovens. Os partidos precisam aumentar a participação da força jovem, as escolas devem repensar seus grêmios porque, estabelecida a democracia, muitas vezes a ideia dominante é que não há mais nada a fazer, porque a liberdade já foi conquistada.
A consequência da estagnação deste tipo de participação abre espaço para o processo transgressor, mais atraente e desafiante, embora, muitas vezes, criminoso. Já encontramos crianças de dez anos participando de arrastões. Entre os 12 e 14 este número aumenta, inclusive no tráfico. A história nos mostra que muitos jovens na Colômbia, hoje, ou no Vietnã da década de 70 participavam de guerrilhas com grandes sacrifícios de suas vidas.
Malala é um alerta quanto à necessidade de participação. Quem não participa em época de paz, pela impressão de que tudo está bem, poderá passar a conviver com colegas que abandonam este tipo de civilização, para se engajar nas milícias jihadistas. A Europa é um palco onde estas cenas são vistas por uma plateia acomodada. Quem se acomoda abre espaço para outros que poderão agir em desacordo com o pensamento do acomodado. Quem atua na sociedade através de várias formas de participação ocupa espaço, toma a dianteira e poderá ser elemento de transformação nesta sociedade humana e carente de líderes.
Hamilton Werneck é pedagogo e escritor