Por bferreira

Rio - Moro na Rocinha há 43 anos e nunca ouvi tantos tiros diários desde a guerra vivenciada em 2004, com a disputa de facções rivais. O tiroteio voltou a fazer parte da rotina de uma das maiores favelas do Brasil. Sei que isso não acontece só na Rocinha, porque leio os jornais e acompanho os relatos de moradores da Maré, do Alemão e de outras comunidades consideradas “pacificadas”. No dia 13, completou três anos da pacificação e também de mais uma semana inteira de violência na Rocinha.

Não é fácil viver no meio de uma guerra travada como essa. O que devemos fazer para levar nossos filhos à escola? O que devemos fazer pra ter mais segurança? Como vamos sair para trabalhar? Escolas e creches não abrem. Equipamentos comunitários, comércio e instituições públicas também não.

É difícil acordar com o som do helicóptero, logo após os tiros e os fogos. A trilha sonora do horror ainda inclui os latidos de cachorros, a gritaria das crianças e, às vezes, alguns gritos de adultos. Sinto minha casa tremer com a passagem dos helicópteros dando seus voos rasantes pelas nossas lajes. Graças a Deus não houve uma tragédia maior. Não quero imaginar o que aconteceria se um deles caísse em cima das casas.

Para se andar pelos becos e vielas da favela é preciso estar com o alerta ligado todo tempo, independente de o céu estar repleto de estrelas ou infestado de balas traçantes. Depois do tiroteio, se ninguém foi alvejado por uma bala perdida, chega a hora de calcular os prejuízos, de contar os furos nas paredes, nas portas e nos produtos expostos dentro das lojas, que foram destruídos. Até hoje, ninguém pagou esse prejuízo.

Ao andar pelas ruas da minha comunidade, fico assustado com as dificuldades da vida do morador de favela. Fico me perguntando o porquê de tanta desigualdade. Durmo sem luz e acordo sem água no meio do tiroteio sem poder sair de casa. A Rocinha está ocupada desde 13 de novembro de 2011. Mas a pacificação ainda é um sonho distante. Além disso, o trabalho precisa ir mais além. Precisa incluir investimento na educação, em saneamento e na criação de oportunidades para a transformação social. É impossível resgatar a cidadania e trazer a paz para lugares abandonados por décadas apenas usando a força policial.

William de Oliveira é coordenador do Movimento Popular de Favelas

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