Enquanto se busca a cura, a solidariedade é a vacina mais eficaz contra o vírus ideológico do preconceito e da intolerância
Por felipe.martins, felipe.martins
Rio - Vinte anos se passaram desde que Herbert de Souza, o Betinho, lançou o livro de crônicas ‘A Cura da Aids’, em 1994. Ainda que fosse num tempo em que tratamentos eficazes não estivessem disponíveis, ele entendeu o quão importante era a perspectiva de uma cura da doença. Não apenas para aqueles que vivem com HIV, mas para todos que buscam proteger a si mesmos e também àqueles que amam.
Na época, Betinho obviamente sabia que ainda não havia uma verdadeira cura para o HIV, mas acreditava de que algum dia haveria. Ele sabia do tamanho da violência que o estigma e a discriminação nos casos de HIV e Aids podem causar no ser humano. E acreditava que, enquanto trabalhamos para encontrar a cura, a solidariedade é a vacina mais eficaz contra o vírus ideológico do preconceito e da intolerância.
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De lá para cá, muitas coisas mudaram. A cura ainda não foi descoberta, mas já percorremos um longo caminho. Desde 1996, surgiram tratamentos antirretrovirais cada vez mais eficazes — no caso brasileiro, quando é garantido o acesso ao sistema de saúde pública — e capazes de transformar a infecção pelo HIV em uma doença crônica e controlável. Também há grandes conquistas em relação à prevenção. Não estamos lá ainda, mas podemos compartilhar a convicção de Betinho que um dia teremos a cura! Apesar disso, a forma como, em 2014, olhamos para a resposta ao HIV e Aids no Brasil e no mundo, é motivo de preocupação. Não importa o quão perto cientificamente podemos estar da cura: ainda estamos longe de derrotar o vírus ideológico desencadeado pela epidemia.
Sem a mobilização da sociedade em defesa do direito à inclusão social — não importa quão diferentes os valores e práticas possam ser da nossa — estaremos destinados a falhar na derrota à epidemia. A base do princípio de solidariedade que Betinho nos deixou é a crença na nossa capacidade de compreender a dor e o sofrimento do outro como se fosse nossa e de assumir a responsabilidade para uma luta coletiva do enfrentamento do estigma e da discriminação.
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Como Betinho pontuou: “De repente me dei conta de que a cura da Aids sempre havia existido, como possibilidade, antes mesmo de existir como anúncio do fato acontecido, e que seu nome era vida. Foi de repente, como tudo acontece.”
Richard Parker é professor do Instituto de Medicina Social/Uerj