Por thiago.antunes
Rio - Nunca me conformei — ao contrário, sempre me indignei — com as histórias seculares dos preconceitos contra músicos e poetas do povo. Ficou conhecida a afirmação dos meganhas ao início do século passado: abraçar um violão nas esquinas cariocas era coisa de capadócio, de meliante.
Pioneiros do samba, como João da Bahiana, Donga (autor do primicial ‘Pelo Telefone’, de 1917), ou mesmo Pixinguinha e Heitor dos Prazeres, me testemunharam no Museu da Imagem e do Som que sofreram, na carne e no espírito, destemperadas humilhações por serem músicos e portar violões, além de ter pele negra e habitar casas modestas.
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Ou seja, histórias cavilosas como essas foram recolhidas por mim no museu, e não uma ou duas vezes, mas dezenas. Martinho da Vila acaba de ser empossado em academia quase centenária que cuida das letras cariocas. Mas, perguntaria um desavisado, que conexão tem um sambista e poeta popular com as lides acadêmicas? Tem tudo a ver, porque ele não é apenas o gênio da paixão do povo, o samba, mas também escritor de méritos literários, com 13 livros publicados.
O ato solene de posse do escritor Martinho José Ferreira na Academia Carioca de Letras foi comovedor para mim, eu que lhe acompanho a carreira por longos 40 anos. 
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Ao testemunhar o colar acadêmico lhe ser imposto pela mulher-musa, Cleo, ao me encantar com o discurso de posse dele, cheio de referências à negritude e ao orgulho da raça, ao ouvir a fala de recepção proferida pelo acadêmico Paulo Roberto Pereira (que produziu minucioso estudo sobre um a um de seus livros), ao ver a plateia repleta de autoridades e de artistas do Rio levantar-se em peso para lhe saudar a entrada triunfal no recinto, tive então a certeza de que não era apenas o escritor que a Academia aclamava.
Era também a consagração da alma carioca. Concentrada nele desde sempre, caudatária das lágrimas, suor e sofrimentos de heroicos tempos, idos e vividos por séculos.
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Ricardo Cravo Albin é presidente do Instituto Cravo Albin