Por bferreira
Rio - A tal busca pela felicidade apresenta muitas contradições. Há quem diga que só com muito sofrimento a alcançaremos, o que já é quase uma contradição. Por outro lado, há quem anuncie a felicidade na compra de um sabonete, margarina, de celular, de automóvel... Felicidade para todos os bolsos, assim, fácil, simples. Aí os provérbios também surgem, uns querendo falar sério, outros brincando com a suposta certeza típica dos ditos populares. Um deles é o clássico “dinheiro não traz felicidade”, que o bom humor de alguns emendou com “manda buscar”.
A felicidade é, acredito, algo contextual e nem de longe está exclusivamente ligada ao dinheiro ou ao poder de compra, ao contrário do que berram garotos-propaganda. Mas não quero aqui dizer que o tal dinheiro não seja importante, já que ele pode dar condições mínimas de dignidade. Seria conformismo de minha parte dizer que não importa ser rico ou miserável, como se tanto fizesse, apenas aceitemos o mundo do jeito que ele é.
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Ainda acho a desigualdade econômica e social — bem como sua naturalização — uma das maiores obscenidades da história humana. Mas ainda assim não vejo o dinheiro e a posse ‘do bom e do melhor’ como os responsáveis exclusivos pela felicidade. Nesse caso, concordo com Aristóteles: o excesso pode significar um vício.
Mas, então, o que quero dizer com “felicidade contextual”? Você garante que uma criança que ganhou o milésimo brinquedo é mais feliz do que aquela que acabou de ganhar um, o primeiro e único? Quem está mais feliz? Você acha que um milionário poder dirigir uma Ferrari se sentiria mais feliz do que aquele jovenzinho que, contando as economias mês a mês, comprou uma lambreta? Quem se sente mais feliz: aquele que entregou a tese de doutoramento ou o adulto que está se alfabetizando e terminou de ler o primeiro livro? Conforto é bom, conhecimento é bom. Mas acho falacioso o argumento de que mais dinheiro e posses fariam a felicidade ter um sabor e uma qualidade diferentes, mais intensos, mais excitantes.
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Sei que se pode objetar dizendo que “estar feliz” é diferente de “ser feliz”, ou que felicidade é diferente de um simples estado de alegria. E quem objetar isso terá razão, mas ainda assim, mesmo em se falando de “ser feliz”, que me parece um estado mais permanente e duradouro, acho que não é necessariamente o dinheiro o responsável direto por isso. Além do que, por paradoxal que possa parecer, acredito na frustração e em doses de tristeza como componentes de uma experiência de vida mais preparada para encarar esse percurso maluco do viver.
Autor de 'O beijo de Schiller'
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