Por felipe.martins

Rio - No Brasil ainda se tortura. E não foram as ditaduras que a instituíram. É prática corrente desde os nossos tempos de colônia até hoje. No âmbito privado (pais, mães, babás, etc) e, sobretudo, na esfera pública.

Estudo inédito sobre a prática de tortura no Brasil acaba de ser lançado. De autoria da Conectas Direitos Humanos, o levantamento — produzido entre 2005 e 2010 — mostra que agentes públicos são responsáveis por 61% dos casos registrados no país. Como agentes públicos, leiam-se policiais civis, militares e federais, guardas metropolitanos, monitores de unidades de internação e agentes penitenciários.

Intitulado ‘Julgando a Tortura: Análise de jurisprudência nos Tribunais de Justiça do Brasil’, o estudo analisou 455 decisões de segunda instância de todos os Tribunais de Justiça. Envolveram 800 vítimas, sendo que 21% eram homens, 21% eram homens considerados suspeitos da prática de algum tipo de crime, 20% eram crianças, 13% eram adolescentes, 9% eram homens presos, 8% eram mulheres, 1% era de mulheres presas e 3% caracterizavam outros perfis. Residências e prisões constituem os cenários predominantes destas práticas, correspondendo a 64% de todos os locais.

A Associação Médica Mundial assim define a tortura: “imposição deliberada, sistemática e desconsiderada de sofrimento físico ou mental por parte de uma ou mais pessoas, atuando por conta própria ou seguindo ordens de qualquer tipo de poder, com o fim de forçar outra pessoa a dar informações, confessar, ou por outra razão.”

É de ser ver que o Estado é o agente torturador predominante. Em nosso país, a tortura já foi política de Estado adotada pela ditadura de 1964. E, embora alvo da reprovação universal, só foi, por aqui, tipificada como crime em 1997, com a edição da Lei 9.455. Aliás, a falta de tipificação é usada como argumento para a impunidade dos torturadores de presos políticos até hoje.

No plano legislativo, o Brasil avançou. A tortura, de acordo com a Constituição de 1988, passou a ser crime de lesa-humanidade e, por isso, imprescritível. Em 2013, foi sancionada a Lei 12.847, que cria o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Mas a realidade ainda está muito distante do avanço legal. A tortura, infelizmente, é aceita e defendida por certos segmentos sociais, como punição à criminalidade nas classes populares. O avanço legal tem que ser correspondido no plano das consciências e da cultura. Só assim nos livraremos definitivamente desse flagelo que atenta gravemente contra o princípio civilizatório.

Wadih Damous é presidente da Com. da Verdade do Rio e da Com. de Dir. Humanos da OAB

Você pode gostar