Por adriano.araujo

Rio - Nasci em Belo Horizonte e moro em São Paulo. Mas o Rio continua a passar em minha vida. Fui concebido em Botafogo, na esquina das ruas São Clemente e Eduardo Guinle. Ali moravam meus pais, em 1943. Antigetulista ferrenho, signatário do Manifesto dos Mineiros, meu pai fez questão que eu nascesse em Minas.

Com dois meses de vida, fiz minha primeira viagem de avião, rumo ao Santos Dumont. A mais remota lembrança que guardo é a de uma manhã de sol em Copacabana, e eu entretido em encher de areia, com uma pá de madeira, o balde vermelho de metal. Bebê, eu tomava sol e brincava nos amplos jardins do palacete dos Guinle Paula Machado, defronte ao nosso apartamento.

Aos 5 anos, retornei a Belo Horizonte. Como Isá Guinle Paula Machado e Nelson Libanio, meu primo, não tinham filhos, Nando, meu irmão, e eu éramos ‘adotados’ pelo casal todas as férias de verão. Durante três meses, trocávamos o arroz com feijão da classe média pelo caviar da alta mordomia: serviço à francesa nas refeições, carro com chofer, banhos de piscina no Copacabana Palace.

Vim de mudança para o Rio em 1962, aos 17 anos, nomeado dirigente nacional da Juventude Estudantil Católica. Durante três anos morei na república de estudantes na confluência das ruas Laranjeiras e Pereira da Silva. Trabalhava na Miguel Lemos, onde hoje funciona um tribunal eleitoral.

Estudava no Largo do Machado. Em 1964, ingressei na Faculdade de Jornalismo, cujo prédio ficava onde hoje se ergue a Academia Brasileira de Letras. Ali tive professores como Alceu Amoroso Lima, Danton Jobim e Hermes Lima. Foram anos felizes de intensa militância estudantil. E explosiva vida cultural. Tudo era novo: a bossa, o cinema, a literatura... Frequentei o cine Paissandu, debati Celso Furtado no Lamas, ouvi Tom Jobim no Beco das Garrafas. E, no Maracanã repleto, vi o Santos derrotar o Milan por 4 a 2.

Em junho de 1964, em Laranjeiras, sofri minha primeira prisão sob a ditadura. Levado por agentes da Marinha, fiquei preso no quartel dos Fuzileiros Navais, na Ilha das Cobras. No ano seguinte, deixei o Rio para ingressar na Ordem Dominicana, em Belo Horizonte. O Rio, entretanto, continua a passar em minha vida. Aqui tenho parentes, confrades, amplo leque de amizades, afilhados(as) e grupos de oração. Aqui ambientei meu romance policial ‘Hotel Brasil’ (Rocco). Aqui, nas águas de Copacabana, espargi as cinzas de minha mãe, conforme desejo dela. Definitivamente, sou carinhoca.

Frei Betto é autor de ‘Reinventar a vida’ (Vozes)

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