Por felipe.martins

Rio - Comecei a ler Eduardo Galeano na adolescência. Procurava nos pensadores um norte e o fui encontrar no sul do meu país, no Uruguai. Em Montevidéu, nasceu esse escritor de olhar atento à América Latina. Olhar que se mostrou universal. Alguém de lucidez e cultura ímpar. Ora um tanto enfático, ora mais ameno, tal qual a mistura das águas doces e salgadas do Rio da Prata com o mar.

Desde então, senti que suas letras me pertenciam, como tudo o que nos encaminha em uma etapa da vida, mas que carregamos na bagagem para outras eternidades, e as tornamos próximas, palpáveis como amigo distante que reaparece depois de muito tempo, e a conversa continua de onde terminou, porque na verdade, nunca terminou.

Fui crescendo, e o escritor uruguaio participando do que guardo a bombordo do peito. E em algum ato de transformação, me falando que o olhar deveria ser atualizado; todavia, grifando centenas de vezes a caneta multicor que havia possibilidades. E logo adotei como essencial escorregar no arco-íris, mesmo com medo da altura ou da velocidade, mas nada teria tanta importância do que a trajetória; ao invés de me esmerar na busca pelo tal pote de ouro no final.

E a utopia me tocou os pés e se misturou às minhas raízes como areia de praia assobiando um ‘sim’ às possibilidades, as que se fazem com o olhar atento; e mais do que intenções, as que se fazem com propósito.

O escritor clareou nosso cenário recluso, nosso chão, nossa terra, mas reclusa. Nossa casa estranha dentro dela mesma, como hóspede indesejado. A realidade estava ali e não era nem é convidativa e festiva. Não existe Carnaval regado a confetes e risos de estopim. Mas lá num cantinho, escondidas nesse burburinho de matizes melancólico, há possibilidades.

Somos pensantes, portanto formadores, portanto atuantes, portanto... Possíveis dentro das impossibilidades, somos quem carregamos nossas próprias bagagens, as que colhemos em nossa viagem da latinoamérica ao mundo; e no retorno, podemos passá-las de mão em mão para que nossos caminhos se mesclem aos dos outros. Como Galeano, que fez seus passos na caminhada de muitos de nós: “Na história dos homens, cada ato de destruição encontra sua resposta, cedo ou tarde, num ato de criação.”

Ana Cecília Romeu é publicitária e escritora

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