Por felipe.martins

Rio -  Meu problema é que não posso ver um carro alegórico que já me penduro na primeira estrutura possível e danço. Às vezes sem música ou plateia. Tipo pra eu mesmo ver e curtir. Sentir, sem ti. É perigoso, porque no rompante posso não avaliar a segurança e cair. É egoísta, porque aquele pode ser lugar de outro. É pagação de mico porque não me importo com a barriga, as carnes sobrando, as caras exageradas. É pouco educado porque você só deve entrar onde seja convidado. É arriscado porque podem cortar a música e te tirar de lá. Mas quer saber? Isso quase nunca acontece, e você pega as pessoas pelo inusitado, pela verdade do seu desempenho, no susto. Resumo: é delicioso, impagável, único. E não sobra aquele martelar na tua consciência tipo: eu devia ter tentado. O trem passou e você não o perdeu. Você embarcou!

Impulsivo, este é meu pior defeito. Quando criança eu queria e não podia: rolava tapão de meu pai, deboche dos irmãos, ameaças da avó, terror psicológico da tia. A frase que mais ouvi foi: “Te segura bicha, finge que isto não te apetece, que você não está nem aí. Apaga agora este brilho nos olhos, que isso é coisa pra mariquinhas!” Foi aí que comecei a fantasiar que eu lá estava sem estar, e isso foi maravilhoso pra minha abstração, capacidade de fingir e viver o irreal. Menino ator esperando a vez de brincar e dançar e rodar e se apresentar entre os seus. E quem eram estes meus? Os com carro alegórico, nem que fosse na imaginação.

Porque este tipo de jogo quando jogado com gente errada, que não embarca na maionese, que te puxa para baixo quando você quer flutuar, isto é um problema. Contracenar com quem não contracena. Solução: atue sozinho, independe da humanidade quase sempre, e não perca a pose até na não pose, pois haverá para sempre a câmera imaginária num ponto da situação.

Meu impulso sempre foi para o bonito, o alegre, o iluminado, o glamour. E as cenas tristes, numerosas e inevitáveis para quem vive, em paralelo me tocando horrores porque elas eram eu na real, entre uma alegoria e outra. Mas havia o sonho, o salto, onde eu encontrava a dança mágica, personagens lindos, figurinos outros. Não há trauma em passar do cotidiano para a ficção, é só não acreditar que eles duram eternos. Um grito, um vento pode te trazer de volta ou te levar para além do arco-íris. Ambos são versões da ilusão; mas o momento em que estou na cena, este se desdobra em múltiplos quânticos, como aquilo que falam do superorgasmo. Então é isso, meu principal defeito é não poder ver um orgasmo múltiplo que já quero dele participar. Mesmo não tendo lugar pra mim; porque, quando tem, vocês não sabem do que isto é capaz.

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