Por paulo.gomes

Rio - Não sei o que é pior: o prazo de entrega do Imposto de Renda ou da crônica semanal. Recorro ao Preto Velho e a Nossa Senhora de Fátima para que me deem inspiração nesta semana de maio, pra esse vazio de ideias que às vezes nem a imaginação realiza.

Diz a lenda que uma estagiária, no auge da sua ansiedade, buscando um furo de reportagem, pergunta ao maestro Villa­Lobos:

— E o que o senhor vem compondo atualmente?

— Minha filha, atualmente eu estou é decompondo.

A idade é implacável. É o fim da memória e seus neurônios. De amigos distantes, nem a aparência. Outro dia, na roda de samba, sou cumprimentado por uma pessoa simpática, de sorriso agradável. Notando a minha estranheza, se antecipa:

— Sou eu, primo, Eduardo!

Passamos a infância juntos entre o Méier e Irajá. Chorei a seco com a ausência de dopaminas. Tento me atualizar, assuntos recentes pra incluir no texto, mas a recordação cisma com endereços antigos, bares vazios, fora da moda, ruas desertas do meu passado. Descompassado, não tenho explicação pra essas manifestações. Sou incapaz de lembrar o jantar desta noite, mas o cardápio do Bar do Joia, encostado na Júlia Lopes de Almeida, não me sai da cabeça.

Paio no feijão. O lugar é do início do século 20, toca óperas de 1800 como se Viena ficasse na próxima esquina. Mesmo assim, parece o espelho nos meus dentes, sei onde dói. Conheci um garçom, já falecido, Seu Rubens, um magro senhor de 80 anos. Não existiam agendas eletrônicas, e os telefones, lentos de sinal, ainda eram discados, enfiando os dedos na pequena ‘roleta’. Bebia como poucos sem esquecer um segundo da vida boêmia. Provoco:

— Bar Monteiro, Rubinho?

— Rua da Quitanda 83! Melhor sanduíche de pernil!

Argumentei da famosa combinação com abacaxi no Cervantes, mas ele desconhecia totalmente o estabelecimento, “esse é novo pra mim”, tossiu olhando pra minha taça cheia de ar.

A verdade é que a cidade dança em compasso de espera. Um tanto funk, outro, samba-canção. Sem um gol mal anulado, um drible desconcertante, o balcão de mármore perde o sentido. Ninguém aguenta mais violência, balas perdidas, homofobias, manchetes repetidas.

A crônica sai por desespero. Vou guardar a história do taxista que pegou por engano uma madame assustada num motel na Ilha do Governador pra próxima semana.

moaluz@ig.com.br

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