Por bferreira

Rio - Em três décadas, as relações sociais no Brasil experimentaram uma transição que foi do controle institucional austero sobre o corpo e a mente à frouxidão desconcertante dos impulsos individuais e coletivos. Em nome da liberdade individual, forjou-se no Brasil uma sociedade de moral gelatinosa e valores fluidos em detrimento da consciência cidadã, favorecendo, assim, o acometimento de várias patologias sociais. Dentre elas, a mais preocupante é a violência generalizada que está nos levando ao retrocesso civilizatório, cujas consequências afetam gravemente o tecido social brasileiro. Estamos convivendo intimamente com as mais variadas formas de violência de modo a aceitar a normalização dos crimes como algo inexorável.

A nossa sociedade está dilacerada pela fragilização das relações intersubjetivas e pela degradação familiar e carcomida pela corrupção no setor público. No bojo desse ciclo perverso, o Estado se vale de recursos punitivos e reparatórios, com alto custo emocional e financeiro, incapaz de arrefecer os atos violentos. No interstício 2004-2012, o governo federal passou de R$ 5,5 bilhões para R$ 20,20 bilhões o investimento no Bolsa Família. A taxa de homicídios no período aumentou de 27 para 29 casos por 100 mil habitantes. Por outro lado, também a formação e a cultura tradicional da polícia no Brasil não fornecem competências para pacificar comunidades. O que pacifica é o acesso digno à saúde, à educação e a oportunidades de trabalho.

As pesquisas do sociólogo alemão Axel Honneth, diretor do Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt, têm demonstrado que a causa dos conflitos sociais não tem origem nas condições econômicas desfavoráveis. A ausência de reconhecimento intersubjetivo e social dos sujeitos e as situações de humilhação e maus-tratos são as que deflagram o aviltamento humano. O reconhecimento pessoal e social negado compromete a autoconfiança, o autorrespeito e a autoestima dos indivíduos, impedindo-os de se realizar de forma plena. A busca pelo reconhecimento negado ocorre, então, através da revolta, das pressões e da violência. Enquanto o Estado e os políticos não se disponibilizarem ao enfrentamento honesto preventivo das violências, continuaremos reféns de uma sociedade enfurecida para a qual a vida é o bem de menor valor.

Nadia Lucia Fuhrmann é pós-doutora em Sociologia da Violência

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