Por felipe.martins

Rio - Eu sou brasileiro. Com muito orgulho e muito amor. Mas o demasiado orgulho da brasilidade pode nos tirar a reflexão e nos subtrair a capacidade de buscar soluções para problemas que se perpetuam. Bandeiras, hinos e o sentimento de nacionalidade são essenciais para a dominação, produção de pertencimento e construção de subordinação a ideário que nem sempre corresponde aos interesses do povo que se ufana. Não há razão que perdure em clima de fim de campeonato; tudo é emoção. Foi o conde Afonso Celso um dos primeiros a escrever sobre orgulho de ser brasileiro — ‘Por que me ufano do meu país’ foi publicado em 1900.

Mas o capital não tem pátria. Os donos do capital não se vexam de se mudar quando seus lucros diminuem ou cessam. O capital é volátil e foge para outro país que melhor lhe remunere. Gérard Depardieu, consagrado artista francês, não titubeou em renunciar à nacionalidade francesa e adotar a belga, a fim de pagar menos impostos. Entre os brasileiros há quem se ufane com campeonatos diversos sob o grito de “É do Brasil!”, mas tem domicílio em Mônaco, onde a tributação é menor. Outros vivem em Miami. A patriotada fica para quem não tem outra coisa a não ser a própria força de trabalho com a qual sustenta honestamente a si e à sua família.

O orgulho por compor um grupo ou integrar uma corporação desempenha a função de promover o sentido de pertencimento. Monteiro Lobato dizia que o eleitor na Primeira República, em dia de eleição, ia para a cidade votar e logo arrumava confusão com o adversário. Voltava ao fim do dia para os domínios do senhor rural com um galo na testa, certificado da fidelidade, e devolvia o título ao coronel, que com ele ficava guardado para melhor garanti-la. Quanto menos desprotegido pela aristocracia rural, quanto mais medíocre e menos esclarecido fosse o partidário, mais demonstrava seu orgulho para reafirmar o pertencimento.

Na ditadura empresarial-militar o apelo era pela Seleção. Nelson Rodrigues chegou a dizer que era a “pátria de chuteiras”. O orgulho pelo Tri de 1970 nos impediu ver as atrocidades do período. Poucos torcedores compreendem as relações estabelecidas no seio dos desportos, o que as prisões decretadas na Suíça dá dimensão. O orgulho pela Seleção, pelo nosso time e pelo nosso país não pode nos cegar a ponto de nos impedir ver o que é essencial. Nosso orgulho pode estar sendo manipulado por interesses de terceiros em prejuízo dos nossos interesses coletivos.


João Batista Damasceno é doutor em Ciência Política pela UFF e juiz de Direito

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