Rio - Uma milionária vagando pela mansão da Lopes Quintas, no Jardim Botânico. A velha e linda senhora vem me receber (entrei pela cozinha) usando pantufas roxas hilárias. Segurando meu queixo porque a propriedade é de tombar quarteirão, fingi que estar ali era naturalíssimo, e a abracei afetuosamente. Como li que ela doou tudo para virar museu administrado pelo Museu de Arte Sacra de São Paulo, meu abraço era em nome de todas as crianças e jovens cariocas que poderão visitar aquilo de graça (se Deus quiser), matéria-prima da moldagem da sensibilidade de futuros admiradores da arte. Já vi as camisas das escolas públicas e privadas flanando por entre corredores e tetos deslumbrantes, trazidos das Minas Gerais, colonial e imperial.
Muito se fala que os endinheirados brasileiros não são altruístas, solidários, e sempre raciocinam que “farinha pouca meus pirões primeiro”. Pois os olhos azuis desta Lauren Bacall dos trópicos decidiram o contrário: fica tudo para que o público saiba quem foram Jorge e Odaléa Barbosa, os magnânimos.
Ela me diz: “Isto aqui foi uma fazenda de chá lá pelos 1800 e tanto. Vim morar aqui com o meu gato-marido na década de 1940. Olha como eu me dei bem, olha como o bagulho era doido!” (juro que ela fala assim, um pouco ralentado pela língua idosa e por tantas emoções que lhe varam o coração, mas o linguajar é do balacobaco, tudo aprendido com a dama de companhia que ela diz não valer nada, claro que brincando). Estávamos diante das fotos e quadro da juventude, quando a gata se impõe, louríssima, ao lado do gato, numa beca elegante de fazer suspirar. É linda, foi linda, tem bom humor carioca e é fraterna.
Quer mais. Pois tem: as cinzas do gato estão numa urna dourada de fazer Napoleão Bonaparte tremer. Uma espécie de altar sobre jacarandás e marfins, imorredouros. Fotos dele, lindo, lindo. Nem consigo dimensionar a rede de lembranças e segredos que perpassam a cena, só vou ouvindo e deixo me levar.
Ela conta da disputa com a Larraigoti por um móvel, narra que venceu Lili de Carvalho num lance de mestre, enfim, todos os sobrenomes poderosos são vírgulas na narrativa da simpática caixa-alta. Foi aí que me lembrei que quando atravessava os jardins que rodeiam a mansão, vi um senhor negro centenário que deve estar por ali desde os tempos do chá. Atrás dele tinha um bambuzal, e logo bradei em voz alta:
“Eparrei Yansã, é aqui que ela mora, este é o bambuzal de Yansã”. O velho senhor respondeu: que bom que ela mora aí e não em outro lugar... Pois era de Odaléa que o vento falava: que bom, senhora, que moras por aqui. Que bom que não moras por lá. Vida longa a você, belíssima.
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