Rio - Dias atrás, uma mesa com três amigos alvinegros discutia o destino do clube, tabelas e classificação. Minipastéis e generosas doses do oito anos, sustentavam os decibéis da vitória. A coluna, também esquiva a discussões políticas e outras malafaias garatusas, recorreu ao enredo pra narrar um fato recente. Quanto a estrela solitária, uma derrota no suspiro derradeiro fez um sonho ruir, surpreendendo até mesmo o mais severo dos pessimistas.
Quero falar de outra surpresa, igualmente recente.
Numa dessas manhãs que o inverno carioca vem produzindo, azul da Portela, da Vila Isabel, fui conferir uma peixaria cravada no quilômetro zero do Posto Seis, onde há 90 anos existe a Z13, colônia de pescadores de Copacabana. Alguns barcos de cores vivas ancorados sobre troncos roliços e inúmeras redes de nylon resistentes à tubarões de ocasião adornam o recanto protegido por São Pedro e Nossa Senhora Aparecida. Na calçada, a estátua em bronze do mestre das canções praieiras, Dorival Caymmi, acena pros visitantes e menos apressados que estão ali pra viver o Rio de Janeiro.
Parte da minha infância passei neste bairro de mil personagens, tantos marítimos, tantos boêmios. Minha vó materna comprava peixes que chegavam à orla graças aos braços de alguns voluntários, todos gratificados com pescados menores, estranhos ao cardume resgatado. Corvinas e robalos ensaboados de escamas escapavam das mãos eufóricas do menino-pescador. Samburá cheio, era preciso uma boa faca, vísceras abertas, guelras conferidas e postas incluindo a cabeça pro pirão. Avenida Atlântica, ainda em mão dupla, raspava próximo a um rink de patinação bem rústico, dois pares de roda e ajustes na chave de boca, tombos inesquecíveis no áspero cimento aquecido pelo sol inclemente do meio-dia. Passados 50 anos, a colônia permanece fiel, esperando o mar desencrespar pra se atravessar a primeira correnteza.
Os peixes expostos vieram na maré de lua cheia, amanheceram há pouco. A peixaria trata cada espécie como joias da Princesinha do Mar. Estou vidrado com a qualidade e confesso aos amigos que vim preparado em aplacar uma sede momentânea. Não resisto e pergunto sobre as ostras na vitrine: “Chegaram agora, doutor. Posso abrir e servir numa bandeja pro senhor comer nos banquinhos da colônia. Olha, se quiser tem salmão e atum, corto em peças de sashimi”. Engasguei na saliva. Que bela surpresa. Meu farnel escondia vinho e duas taças. As ostras vieram no limão e, pros cortes estilo japonês, um copo de shoyo incrementando o paladar. Quando dei por mim, estava sentado olhando o “barquinho” do Roberto Menescal, as costas do Pão de Açúcar, de braços dados com Caymmi, revivendo o meu passado.
Essa cidade me apronta cada uma!
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