Rio - A política deu provas mais uma vez, na sexta-feira, de quanto é um jogo difícil. Eram bastante sombrias, naquele dia, as perspectivas para a presidenta Dilma Rousseff. A ira demonstrada pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ), após denúncia de que teria cobrado propina de US$ 5 milhões para favorecer empresas, permitia prever que uma tempestade estaria prestes a desabar sobre o Planalto. Bastaram alguns poucos movimentos no tabuleiro político, porém, para que tudo mudasse radicalmente em poucas horas. Todo o recente jogo de cena de Cunha produziu efeito inverso ao que ele esperava: a acusação feita contra ele pelo consultor Julio Camargo não foi abafada, acabou isolado por seu partido ao declarar-se como opositor de Dilma e, mais relevante ainda, esvaziou bastante seu poder de fogo para liderar um movimento pró-impeachment.
A denúncia de propina parece ter deixado desnorteado o líder do PMDB na Câmara. Logo que foi divulgado o vídeo com a delação de Camargo, o deputado Cunha anunciou em contrapartida a retaliação ao governo. Mesmo políticos experientes não viram qualquer eficácia nessa bravata. “Quem consegue entender qual o motivo de ele se defender da acusação atacando o Planalto? Ninguém”, avalia o deputado Miro Teixeira (Pros/RJ). “Ele acabou por facilitar as coisas para o líder do governo na Câmara”. Para arrematar, o pronunciamento de Cunha na TV foi um fracasso político e estético (o homem realmente não nasceu para a telinha). E, assim, Dilma ficará, pelo menos por alguns dias, fora da mira, como queria.
Não que a presidenta passe a ter vida fácil. Seu governo continua carente de liderança. O comentário geral no Congresso é que atualmente cada ministro age como quer, sem falar com Dilma. E ela, por sua vez, não conversa com eles.
Sem coordenação, fica mais difícil enfrentar a crise econômica que faz a base aliada refugar. Um exemplo cristalino disso: na reunião convocada quarta-feira pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, somente quatro dos 11 líderes da base governista compareceram.
O recente episódio, no entanto, embaçou a aura de mestre maquiavélico da política, conquistada neste último semestre em que Eduardo Cunha fez todo tipo de manobras regimentais na Câmara. A agressividade do líder peemedebista foi excessiva. Ele talvez tenha ido com muita fome ao prato (teria dito a alguns, inclusive, que iria ‘explodir o governo’). Acabou com indigestão.
A política requer um pouco mais de serenidade e menos soberba. Talvez o deputado carioca pudesse ter aprendido isso com um dos fundadores de seu partido. Era Tancredo Neves quem costumava dizer: ‘Se Deus não lhe deu a graça da humildade, peça a ele a da dissimulação e finja que é modesto.’
Por trás da tribuna
?Nada como um dia após o outro. Em 2000, alvejado por denúncias de licitações irregulares no governo Garotinho, o então presidente da Companhia Estadual de Habitação, Eduardo Cunha, acusava o ex-governador Moreira Franco pelos ataques, a mando do governo federal. Moreira respondeu: "Ele está delirando e se dando muita importância. Quer dar às denúncias conteúdo político, como se fizesse parte das preocupações políticas do Planalto."
Hoje, Moreira está no governo como ministro da Aviação Civil. E Cunha, como se sabe, conseguiu, 15 anos depois, o que queria: tem dado muitas preocupações políticas ao Planalto.