Por bferreira

Rio - São lembranças dessa vida suburbana os ônibus da juventude. Morava no Méier, vinte quilômetros, no mapa, da praia mais próxima e liberada ao banho. Pra Copacabana, linha 455, saindo da Rua Silva Rabelo, cruzava a Marechal Rondon e, à direita, o Maracanã. Pé no acelerador. Dessa imagem, o riso descompromissado em cada etapa vencida.

Mais uma vez, a Marechal Rondon era um paraíso, larga, reta, jamais poderia imaginar na possibilidade de essa via se transformar em perigo de morte. No coletivo, fumava-se lendo os jornais da manhã com o cuidado de dobrar a folha em quatro pro vizinho não bisbilhotar as tuas notícias. E a moda? Em cada ouvido um "egoísta", atualmente chamado de head phone, e todos entretidos com o futebol ou no diferente timbre do Big Boy.

Também frequentei a Barra da Tijuca, maresia um pouco mais distante. Trajeto feito em duas etapas, um "mercedão" 652 até Cascadura e, coragem, em pé no 755 até o Jardim Oceânico. Lotado, frase pronta, feito lata de sardinha, eu só pensava no mar, ondas quebrando na vaga bem longe, ventos fortes de uma nova região. Não me recordo se o percurso era feito sem camisa, descalço, mas isso não importava naquele momento: “Hum! Hum! A nossa é a praia!”

Interfiro. Sentar nas areias do Arpoador exigia um charme. Poucos objetos nas mãos, se disfarçando de local. O Arpoador era erótico. A geografia no fim do cooper nos remetia pra nítidos desejos proibidos, a fálica pedra do Arpoador.

No início dos anos 80 a minha condução mudou de hora e itinerário. Era a vez do 433, Vila Isabel-Leblon. Eu tocava num bar em Botafogo, o Manjericão, quase esquina com a saideira no São João Batista. O último acorde soava perto das duas da manhã. Violão em punho, no escuro da Rua Dona Mariana, aguardava assoviando o vapor do sereno até embarcar. Ainda bebia a saideira no Petisco da Vila, antes do lotação pro Grajaú. Na madrugada, meu único receio era só acordar no ponto final. E quando isso aconteceu, desci e continuei o sono na poltrona do fiscal da linha.

Mais uma imagem saltou dos raros neurônios. Alguns motoristas esquentavam suas marmitas num capô interno do veículo. Uma placa pedia pra não pisar nesse caixão e a quentura gerada ali irradiava até o trocador, próximo à porta traseira. Sim, no início, depois do verbo, se entrava pela porta traseira, a direção da sua viagem.Bem adulto, testemunhei um punguista sacando de dentro da bolsa a carteira de uma senhora. Ameacei gritar, um comparsa me apertou.

A tragédia do 174, os ônibus incendiados, a morte em Parati, senti fugir a poesia. Hoje acompanho, sem cruzar a roleta, o destino desse caminho. Sofre a cidade e seus eixos de cidadania. Sofre o ser humano na freada sobre a faixa pintada, indicando civilidade. Sofre a própria estima tímida no banco da desesperança.

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