Por felipe.martins

Rio - Estou no Porto, a origem de Portugal. Banhado pelo Douro, de um lado, Porto, do outro Vila Nova de Gaia, PortoGalia, portanto Portugal. Ladeiras e o Cais da Ribeira, paisagens definitivas na memória de um suburbano acostumado às esquinas do Meier, da Tijuca, da Vila Aliança. Aqui, a todo instante, uma resposta a testar sua paciência carioca:

“E amanhã fecha que horas?” “Amanhã não fecha. Nem abrimos, ora pois!”. Um riso amarelo e vamos em frente que atrás vem gente. E como vem! São brasileiros. Surgem com atobás na margem do rio. São azeitonas, estão em todas as mesas, de Matosinhos aos balcões no Cais do Café.

Raramente de mãos vazias, no mínimo um Galo de Barcelos, um imã de geladeira, transitam com uma curiosa intimidade. Num dos acessos ao Cais, a esplanada prncipal, entro numa desgutação de vinhos. Sentado ao fundo, cabisbaixo, encontro um conterrâneo, olhos fixos na taça de tawny da Casa Ferreira.

Peço licença, mostro preocupação, e o amigo sussurra:

“É a crise...”

“Mas o que houve, coisa e tal, tá precisando de algum?”

“Crise existencial!”

Afrouxo os ombros, solto a respiração e uso as costas da cadeira pra melhor absorver a ladainha. Seu vizinho chegou em excursão um dia antes e ocupa o seu quarto preferido, no hotel que ELE indicou. Um sofredor. Estranha colchão, tem problemas de golpe de ar e sofre de alergia aos pisos sintéticos. Claustrofóbico, só se adapta em acomodações de frente pro mar, no caso, o Rio Douro e suas escunas de passeio.Tento amenizar o fato lembrando a real crise, a financeira. Piorou. Seus argumentos são “invertebrados”. Reclama com voz de parente em velório, chorando pelos cantos:

“...E eu gostava tanto de sapateiras, aquelas enormes, uma ‘sapateira-gracie’, tenho que me contentar com gambas ao natural”.

Antes de causar uma passeata de indignação, explico: as sapateiras são como siris, apenas quatro vezes maiores. Parecem de louça, de tão improváveis. Sigo o meu caminho. As sardinhas assadas na Rua São Nicholau abrem o apetite. Batatas cozidas, fatias de pão fresco e o azeite servido num bule de aço inoxidável. Vejo as adegas, os barcos guardando as pipas de outros séculos, e o sabor doce a amadeirado dos vinhos do Porto. A tarde cai no horizonte de videiras da próxima safra. Ainda tenho mais uma etapa na viagem, Barcelona. Devo encontrar, com certeza, algum patrício.

E-mail: moaluz@ig.com.br

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