Rio - No filme ‘Encouraçado Potemkin’, uma cena é emblemática: a aristocracia russa se preparara para entregar o poder aos bolcheviques que haviam tomado ruas e pontos estratégicos de Moscou. Reunidos num salão luxuoso à espera do ultimato para a passagem do poder, um dos aristocratas sugere aos demais “uma recepção com dignidade”. Mas a massa invade o salão estapeando os presentes e subindo nas mesas. A classe dominante é educada para manter a fidalguia mesmo na pior das adversidades.
Um clássico dessa arrogância é o príncipe espanhol Dom Rodrigo, que, condenado à forca, se portou com tamanha frieza diante dos xingamentos do povo, que gerou a expressão “soberbo como Rodrigo a caminho do cadafalso”. Igual comportamento teve Washington Luís, de quem Getúlio Vargas fora ministro da Fazenda, quando de sua deposição em 1930.
A conciliação que sempre se estabeleceu entre a classe dominante se fez com fidalguia, deixando ao povo o mesmo papel que tem nas arquibancadas dos estádios de futebol, enquanto os cartolas recolhem os lucros do campeonato.
No Brasil, a ascensão de um partido com discurso tendente aos interesses populares pôs em polvorosa setores da classe média, que se diferenciava por algumas exclusividades. A expansão do setor aéreo foi achincalhada com o argumento de que os aeroportos virariam rodoviárias. E era verdade.
Uma passagem de avião chegou a custar metade de uma passagem de ônibus para o mesmo destino, demonstrativo dos ganhos dos barões do transporte rodoviário. Durante o julgamento do Mensalão, um senador disse que era hora de expulsar “esta raça da política por 30 anos”. Para ele política não era coisa para setores populares.
O modelo discursivo que implicou subtração dos interesses dos trabalhadores e conciliação para manutenção dos interesses da classe dominante esgotou-se e já não garante governabilidade. Mas a classe dominante não pede o impeachment da presidenta Dilma, pois nunca na história deste país viveu dias tão confortáveis.
Apesar da crise, o lucro do Banco Itaú em 2015 deverá superar R$ 20 bilhões. O ódio que se difunde advém de parcela da classe média que perdeu a exclusividade. E com ela faz coro o presidente da Câmara dos Deputados apoiado por parlamentares de igual expressão intelectual e conduta ética.
João Batista Damasceno é doutor em Ciência Política e juiz de Direito