Por bferreira

Rio - A notícia é tão desumana quanto inacreditável: uma grávida portadora de esquizofrenia, sem condenação, é mantida na solitária, onde nasce seu bebê, sem qualquer auxílio, após gritar desesperadamente por socorro. Na mesma prisão são mantidas 30 gestantes, 27 delas ainda sem condenação. A única consequência foi o afastamento da diretora e da subdiretora da unidade. Tudo resolvido; trocou-se a carcereira. E os juízes que mandaram 27 grávidas à prisão sem julgamento prévio continuarão a fazê-lo autoritariamente.

A Constituição coloca a individualização da pena como garantia fundamental do Estado Democrático de Direito, de modo que não pode o nascituro — ao qual a lei garante “direito à proteção, à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência” — ser colocado nas condições precárias e desumanas do cárcere. De modo a ‘pagar’ criminalmente pelos supostos atos, ainda em apuração, praticados pela genitora. Essa responsabilidade prévia é do juiz encarcerador, e não da diretora do presídio.

Ainda que venha a ser comprovada a responsabilidade pelo ato reprovável, a medida a ser aplicada deve se adequar às condições pessoais da acusada e do próprio nascituro, a quem não se pode estender os efeitos de eventual e futura pena. O Brasil, como Estado-Membro da ONU, é obrigado a “desenvolver opções de medidas alternativas à prisão preventiva e à pena especificamente voltada às mulheres infratoras, dentro do sistema jurídico, considerando o histórico de vitimização de diversas mulheres e suas responsabilidades maternas”.

Ademais, no caso, trata-se de portadora de esquizofrenia, que rigorosamente não podia estar recolhida em penitenciária por ser inimputável, e, sim, em hospital penitenciário adequado para sua enfermidade, com a aplicação de medida de segurança. Acresce ainda a responsabilidade dos responsáveis por formular políticas públicas, os legisladores, o Ministério Público, o Judiciário, esses últimos responsáveis pela fiscalização do sistema penitenciário e pela boa aplicação das leis que permitem que tais abusos sejam praticados quando não são eles próprios os responsáveis pelo encarceramento desnecessário.

Siro Darlan é desembargador do TJ e membro da Associação Juízes para a Democracia

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