Por thiago.antunes
Rio - Confesso minha admiração pelos autores e diretores de telenovelas. Não é fácil criar uma ficção capaz de mobilizar dezenas de milhões de pessoas, um público pra lá de heterogêneo. Imagine o peso que é fazer um produto que seduza os telespectadores e, ao mesmo tempo, cumpra a função de servir de suporte para os anúncios publicitários que sustentam a TV. Não é nada simples manter a sintonia fina com o público.
O tsunami de proporções bíblicas que andou devastando a audiência da Globo no mais nobre dos horários aponta para algumas mudanças na sociedade. O Brasil, em especial a Globo, criou um padrão excepcional, produz novelas que, com frequência, alcançam ótimos índices de audiência ao mesmo tempo que fogem ao padrão tradicional do folhetim e apresentam sacadas dramatúrgicas e estéticas não usuais.
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Mas, pelo jeito, a receita deu uma desandada, ou tem gente errando na mão. Acusada, anos a fio, de fazer novelas “alienantes” — chavão comum nos anos 1970 e 1980 —, a Globo paga agora o preço de ter investido em produções ligadas a uma realidade mais evidente e cruel. Uma realidade que, na TV, parece ser excessiva, ainda pior do que aquela que nos cerca.
A ruptura com o velho esquema de mocinhos contra bandidos, da luta do bem contra o mal parece, a julgar pela reação do público, ter sido excessiva, principalmente por conta da intensa relação entre as novelas e a vida brasileira. 
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O público que riu e se indignou com a “banana” dirigida ao país no fim de ‘Vale Tudo’, parece estar cansado das tantas bananas que têm recebido em seu cotidiano. É como se dissesse ‘tá’ bom, eu sei que há políticos corruptos, canalhas que tentam transformar namoradas em prostitutas, bandidos que se fazem de inocentes, mas chega, agora eu quero me distrair, esquecer uma dureza da vida, não quero tantos desafios, mas um pouco de conforto.
Seria injusto negar as qualidades de ‘Os Dez Mandamentos’ e os vacilos da concorrência. Mas o fenômeno que faz tanta gente buscar segurança no passado tem a ver com um tempo cheio de incertezas. Numa época em que tradicionais — e, não raras vezes, excludentes e preconceituosas — relações sociais e familiares são desafiadas, muitos parecem querer se refugiar num lugar idealizado, onde o bem e o mal estão evidentes, em que há um Deus atento e justo, que pune os maus e presenteia os bons. Um mundo compatível com a onda conservadora que ameaça afogar o país e que se nutre de certezas e da falta de vontade de se entender o outro.
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E-mail: fernando.molica@odia.com.br