Quando se escolhe essa rua pra seu caminho, não há lado, nem lamentação. Existe samba, que por aqui, não falta
Por bferreira
Rio - Uma notícia sobre imperiano Ivan Milanez me preocupa: foi atropelado em Madureira, terra aonde o samba anda a pé. Seguia pra casa da Tia Doca, eterna pastora da Portela. Ia cantar seu "maneira, mané. maneira...", acabou no Salgado Filho. Ouso até afirmar que o bonde da história há um bom tempo ja havia arrastado as suas pernas, impondo ao velha guarda o papel de carvoeiro no vapor na maria fumaça.
Coisas assim, físicas ou metáforas, vêm acontecendo desde que o samba é samba. Parceiros de rima e música, nos esbarramos entre tamborins e sete cordas nessas rodas suburbanas, procurando um ar nos vãos da mesa pra cantar seu repertório, respirar suas criações, às vezes fadado ao anonimato, jóias raras perdidas no fundo do mar.
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Recebo o CD do compositor Cesar Veneno, bi-campeão pelo Salgueiro, autor de "Dona Fia, dona Fia, Cadê Ioiô?...", voz carioca, bom malandro, versador da antiga. Atento ao passado, clássicos cantados aos berros em batucadas de quintal, reparo na sua caminhada enquanto zanza com o disco nas mãos. Penso no bonde, nos ingratos trilhos dessa caminhada, o itinerário cravado nessas biografias.
A lista cresce. Outro craque de disco novo é meu parceiro Adalto Magalha. Tem músicas gravadas por todos os timbres do ramo, alfabeto completo. No release, pérolas como "Banho de Felicidade" e "Amor e Festança" garantem seu nome na galeria nobre dessa casa, o samba. São artistas, Adalto e Cesar Veneno, entregues de corpo e alma. A vitrola tem outra rotação. Como ouvir?
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Todo dia me deparo com essa estrada de atalhos perdidos.
A admiração é infinita. Dunga atravessa a Baia de Guanabara. Vive em Niterói, mas tem os dois pés em Vila Isabel. Intérprete de estilo, sorri com a própria alegria e abre o leque de acordes com a "Filha do Macumbeiro" e o "Letreiro na Testa", energia pura, da platéia, com palmas a ditar o andamento. Não sei se lançou trabalho recente, CD, DVD, mas, vestido de resistência, ingressa na ala "O Outro Lado do Samba" e, passista de enredos impossiveis, equilibra a vida de joelhos no asfalto, pandeiro na ponta do dedo, esperando reconhecimento.
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Fosse álbum de figurinhas, carimba os selos de Chiquinho Vírgula, Wanderley Monteiro, Marquinho Diniz e Luiz Grande. São papéis de rabiola, empinando a cafifa num céu de estrelas escolhidas, luzes de eternidade.
Milanez do Império Serrano, verde e branco da Serrinha sobrevive do quarto amarelo de um hospital público, boné debaixo do braço, no recuo da passarela. No outro lado do samba, sobreviver é lucro. O ar falta no peito de Genaro da Bahia pouco antes de subir no "palco" do Samba Do Trabalhador. Chora. Aos 83 anos repete seu sucesso nacional, "na minha cozinha, mando eu...". Agradece feito despedida, mas graças a Santa Cecília volta na segunda seguinte dizendo que a "a pomba rolou".
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No fundo, resta a homenagem. Quando se escolhe essa rua pra seu caminho, não há lado, nem lamentação. Existe samba, que por aqui, não falta.