Por felipe.martins, felipe.martins
Rio - Eu vinha vindo por uma calçada de Copacabana, distraído com o sol e o calor. A senhora ambulante gritou: Milton! Tava ótimo hoje na TV, adorei suas ombreiras de passarinhos. De longe sorri e disse: muito obrigado! Aí ela abria a boca emitindo algo que só eu deveria entender. Mas, olhando seus lábios bailando sem som, me intriguei. Quando ela apontou para o céu, saquei a leitura labial: Deus te proteja, Deus te ilumine. Eu apontei para cima e agradeci ao de lá. Avancei três passos, contornei os carros, voltando pelo asfalto, e disse: eu voltei para te abraçar. E nos abraçamos longamente. Ela foi misturando assuntos, mas o básico era que eu alegrava as manhãs tão tristes de um monte de gente. O mundo lá, desabando, e eu os distraindo da saúde caótica, educação terrível, impostos caros, crise de Natal, e ela me agradecendo por fazê-los sorrir.
Aí ela disse o que considero o tiro de misericórdia: eu sou evangélica, mas isto não tem nada a ver, eu gosto de você do jeito que você é. Pronto, já tenho meu conto de Natal, já tenho o espírito da fraternidade, demonstrado num abraço. Para que servem as religiões? Para libertar. Dominando o sentido de bondade, generosidade, você é igual a todo mundo, inclusive aos que professam outras fés e outros estilos de vida. Somos iguais na diferença, que não nos anula ou nos torna inimigos. Nos reconhecemos em nossas humanidades, nossas lutas. Eu diria, gracioso: estamos todos na mesma gira de umbanda, mas, no caso dela, ela fica lá na gira dela, evangélica. E girando entre contas a pagar, correria para as promoções, ginástica de dinheiros, ela queria dizer para que eu me acalmasse, que há sim bondades ladrilhadas pelas ruas, ainda que ela não fosse nossa.
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Como estou vindo do maravilhoso encontro entre o Padre Fábio de Mello e a travesti (a amada Luana Muniz), tenho sentido a presença espiritual desta força em muitas coisas da vida. Aí, assistindo ao ‘Esquenta’, a bailarina de Regina Casé foi tomada de arrepiante emoção ao deparar-se com uma cantora que bradava o hino gospel ‘O Maior Troféu’. Foi um transe comovente, e sozinho no quarto caí em pranto. A moça da dança emocionadíssima e eu feliz por ela, pelo encontro, pelo programa democrático. E a primeira frase é emblemática, porque para nós, gays, é o mantra do que nos restou: pouco importa o que o mundo pense de nós, o importante é o que o meu Deus pensa de mim. Bingo. Independentemente do que faço na cama, o que pratico com meu semelhante? Era aquilo que a evangélica da calçada estava me dizendo: eu gosto de você, independentemente da sua escolha. Foi o que o padre disse: não julgo a vida que ela, a travesti, escolheu. Julgo o trabalho humanitário dela. É esta concórdia que espero de 2016!
E-mail: chapa@odia.com.br