Por pierre

Em todos os rituais sociais, religiosos, culturais ou políticos, a música é instrumento essencial para representar o momento histórico de um povo. A música traduz sempre a filosofia de vida, o costume e o sentimento daquela nação naquela circunstância. Não existe música boa ou má. Toda música tem sua mensagem e precisa ser entendida como linguagem emanada daquela cultura. Artigo de um deputado sobre o funk, com grande repercussão, foi um desserviço à cultura e um desrespeito aos adeptos desse ritmo.

Foi-se o tempo em que pessoas se utilizavam de seu lugar social para menosprezar outras culturas. A civilização se deu conta da riqueza que existe em cada componente cultural de um povo. Os rabiscos encontrados nas cavernas milenares representam o legado deixado por povos primitivos para que alcançássemos o atual padrão civilizatório. Assim é inaceitável que um parlamentar afirme que “seria o cúmulo da vergonha considerar um tipo de música tão vulgar e ridícula como forma de manifestação cultural”. Ora, o funk nada mais é que a forma de expressão de um povo violentado em seus direitos e um grito de socorro contra os exploradores que os visita em períodos eleitorais para pedir votos.

O Estado brasileiro, que garante o livre exercício do pensamento através de suas diversas expressões culturais, permite o nascimento dos mais diversos ritmos representativos da cultura regional. Assim temos os gêneros quentes do Norte, do Nordeste, do Oeste e do Sul do país, e dessa riqueza surgiu o funk como expressão de um povo criativo que concebeu o samba — igualmente perseguido e criminalizado e hoje, um ritmo mundialmente respeitado e cultuado. Nada mais discriminatório e equivocado que vincular música à criminalidade e à vulgaridade, sobretudo quando suas letras cantam o amor, a cidade e as relações, incluindo a violência de que são vítimas, e não agentes.

Importante reconhecer que através do funk muitos jovens encontraram sua razão de viver e investiram na poesia e na profissionalização, transformando-se em DJs, MCs e agentes portadores da alegria e transformadores de um destino que está muito além de uma pobre conceituação preconceituosa.

Siro Darlan é desembargador do TJ e membro da Associação Juízes para a Democracia

Você pode gostar