Certa vez, ouvi um pai dizer à professora do filho: “Da formação do caráter, cuido eu!” Queria ele esclarecer que a escola não deveria interferir na educação moral do filho, somente ensinar — e bem — conteúdos acadêmicos. De fato, por uma ótica objetiva, aquele pai tinha razão, se pensarmos que exercer as atribuições de genitores não é missão de docentes. Porém, o que ocorre na realidade é bem diferente. Cada dia mais, professores e professoras são levados a cuidar de diferentes aspectos da formação de seus educandos, muito mais ligados à educação familiar que à educação escolar.
Numa sociedade em que pais convivem cada vez menos com filhos, muitos assuntos que deveriam ser discutidos no seio familiar passam a ser tratados na escola. Dessa forma, a docência tornou-se, em sua prática, o ato de ensinar conteúdos não só acadêmicos, mas, também, valores morais e éticos. É certo que o exercício do magistério deve envolver a abordagem de atributos da formação humana e cidadã. Entretanto, para muitas crianças e adolescentes, o espaço escolar é mais democrático que o familiar; então, trazem de casa grande repertório de perguntas sem respostas. Além disso, trazem, muito mais do que deveriam, carências afetivas, psicológicas e sociais.
Mesmo não sendo valorizado, o professor ainda culmina por assumir o papel dos pais, ministrando conteúdos da vida, as regras do mundo social, os limites da convivência, a ternura, o respeito, a coragem e a prudência. São mestres que ensinam a voar, a descer, e jamais desistir do voo.
Assim como ocorreu com outras atividades do mundo contemporâneo, o papel do professor mudou muito nas últimas décadas. Contudo, sobre ele, além de uma exigência técnica, profissional, que se estabelece pela sua capacitação acadêmica, recaiu uma exigência humana, idônea, comum ao monastério.
Hoje, dele é exigida a sabedoria para lidar com circunstâncias para as quais não foi preparado. Tornou-se um gestor da sala de aula, pois, além das funções pedagógicas, cuida das demandas que emergem das relações familiares e sociais. Um gestor do currículo acadêmico, da condição humana, dos fracassos e das conquistas; um gestor da moral e da ética, dos direitos e dos deveres, das dúvidas e das respostas. Um gestor das tensões que emergem da vida.
Eugênio Cunha é professor e jornalista