Por pierre

Era um dia qualquer. Hora do jantar. A filha, quase adolescente, tinha os olhos marejados. Chorara solitária. A mãe e o pai, atentos, perceberam logo. A mãe disse à filha que depois conversariam. O pai quis saber o que ocorrera. Entre eles havia diálogo. E ternura.

O irmão mais velho estava apressado. Mas guardou sua pressa e permitiu que a irmã dissesse algo. Ela não quis dizer. Pediu desculpas, mas preferia o silêncio e, se possível, ir para o quarto. O pai lhe disse que poderia ir, mas, se ela não dissesse o que estava acontecendo, ele ficaria muito triste. Ela era sua filha, o seu amor. E ele estava ali para emprestar ternura, qualquer que fosse o ocorrido.

A filha chorou e, entre soluços, soltou: “Eu errei!” E não conseguiu prosseguir. O pai a abraçou e emendou: “Eu também.” A filha olhou para o pai e quis saber quando. O pai prosseguiu: “Hoje.” Deu uma pausa e seguiu: “Ah, ontem, também.” E mais um silêncio e uma troca de olhares: “E antes de ontem.” “Pai, estou falando sério! Tirei nota baixa. Isso nunca tinha acontecido! Fiquei nervosa. Não sei o que aconteceu. Era prova oral. Eu...” O pai interrompeu e levantou o copo com suco. “Vamos brindar.” “Brindar?!”, estranhou a esposa. “Brindar a imperfeição da nossa filha. Ela é como nós. Ela erra. Que bom. Ela é humana.” A filha abraçou o pai, sorrindo.

A cena poderia ter tido outro desfecho. Há pais que projetam nos filhos o sucesso que não obtiveram na vida. Há pais que sonham com filhos perfeitos. Que não erram jamais. Que não demonstram fragilidade. Que sejam heróis. Os heróis de verdade não são os que não cometem erros. São os que se preocupam com os erros dos outros e com os próprios e que se põem a caminhar fraternalmente. Nas quedas, é bom encontrar uma mão que nos ajude a levantar e um abraço que nos ajude a perceber que não estamos sós. Nas quedas, é bom saber que a vida prossegue. E que os instantes se sucedem nos explicando que o tempo do amor tem o poder de cicatrizar a dor.

O problema da menina pode parecer simples. Uma nota baixa. Mas um vulcão de medo a tomou desprevenida. Medo de não dar certo na vida. Medo do erro. Medo de não ser amada por isso. O pai mostrou o cenário correto. Todos erramos. E os erros nos humanizam! Os erros nos aproximam. Os erros nos preparam para o acerto maior. Ter um norte na vida. Uma disposição para cuidar e ser cuidado. Amar e ser amado. Generosamente. Brindemos a família, então. A que erra. A que ama.

Gabriel Chalita é professor e escritor

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