Por nara.boechat
Rio - Terça-feira é um dia diferente no Fallet, comunidade onde acontecerá o 5º debate da série ‘Rio, Cidade sem Fronteiras’, nesta quarta. Por volta das 13h a van do projeto Unicirco encosta na sede da Associação de Moradores e recebe as crianças para mais uma viagem até a Quinta da Boavista. Quarenta minutos depois, começa a atividade mais aguardada pela criançada, que aproveita as oficinas oferecidas aos moradores: aulas de circo.
“Me sinto livre”, conta Carlos Augusto Rocha Filho, 11 anos, quatro irmãos e um sonho: voar “como um pássaro” no trapézio. O sonho do garoto é compartilhado no picadeiro por centenas de crianças de outras comunidades que, no passado, se chamavam de “alemão” — resquício da época em que diferentes facções disputavam o controle territorial das favelas.

“Além dos meninos da Fallet, temos crianças da Cidade de Deus, Mangueira, Barreira do Vasco, do Complexo do Alemão, Rocinha e do Turano”, conta Lívea Mattos, coordenadora do projeto que, a cada um dos cinco dias da semana, recebe até 50 crianças para aulas de malabarismo, trapézio, palhaço e quetais. “Aqueles que se destacam nós contratamos. Primeiro como aprendizes, depois como atores”.

A cordenadora Lívea Mattos apresenta seus alunos e funcionários pouco depois de mais um ensaioAlexandre Brum / Agência O Dia

E contratam mesmo. Hoje, no Unicirco, 20 jovens do elenco fixo de 65 atores são oriundos do projeto social, sendo que 15 deles já estão trabalhando, sábados e domingos, em duas sessões: às 15h e 17h30. Como presente pela participação de suas crianças, o projeto distribui centenas de ingressos entre os moradores das comunidades onde eles vivem.

Publicidade
O trabalho, no entanto, não se resume em elevar a auto-estima dos meninos e meninas. Há, também, toques de psicologia e, principalmente, assistência social, dado o elevado número de jovens que vivem em situações de risco por exposição à violência doméstica e más condições de vida. “Tenho um garoto aqui que dá muito trabalho para a vó dele. Temos que ficar em cima, dar disciplina, cobrar. Volta e meia ele quer ir embora sozinho para casa, mas não deixamos. Ele está melhorando”, emenda a coordenadora do projeto.
Do outro lado do picadeiro, Carlos Augusto não está nem aí. O que ele quer é cumprir passos até poder voltar ao trapézio. Por enquanto, o sentimento de ser livre para voar vem vagarosamente, nas aulas da arte que faz em solo. No dia em que a reportagem esteve na Quinta, o menino de 11 anos — também capoeirista e lutador de jiu-jítsu no Fallet —, fazia macaquices imitando o personagem da peça que mais gosta: o macaco Muriqui, protagonista do espetáculo Unicirco Rock Show, dirigido por Jorge Fernando, da TV Globo, e coordenado por Marcos Frota. Na peça, o índio Paya entra em cena com o macaco Muriqui até transformar em realidade seu sonho de ser palhaço. “Também gosto de andar na corda-bamba. Mas se der bobeira, você cai”, diz o garoto, mostrando que a arte imita a vida. Ou seria o contrário?
Publicidade
Estrela do trapézio, Wellington está há apenas dois anos no projeto
Enquanto Carlos Augustio sonha, Wellington da Costa, ‘revelado’ na favela Cavalo de Aço, Zona Oeste, prova, no trapézio, que é possível viver de circo. O jovem de 18 anos apareceu aos 16 na própria favela, na chamada de audição pedagógica, e agora já vê a vida ‘do alto’.
Publicidade
“Me encontrei aqui”, diz o rapaz, feliz por fazer parte do elenco fixo. “Treinava até 11 horas por dia”.
Maurício da Silva Correia, o Babodi, 21 anos, é outra prova de que o trabalho, financiado pela Petrobras, está dando frutos. Há sete anos no Unicirco, Babobi deixou de ser aluno para virar monitor. Calmamente, orienta a criançada, e as disciplina, ciente de que a identificação com os jovens, por também viver em comunidade, é que os incentiva. Babobi também esteve próximo de trocar os malabares pelas armas, mas resistiu. A razão? Simples assim: “Traficante não tem vida social. Eu posso ir ao ao shopping”. As crianças que aprendem com ele agradecem...
Publicidade
Fallet vai ter um núcleo do circo dentro da comunidade
O sucesso da iniciativa é tanta que o presidente da Associação dos Moradores da Fallet, Flávio Mazzaro, negocia para trazer o circo à comunidade. No feriado de Corpus Christi, a Unicirco fez uma audiência na quadra da Amavale que, apesar da chuva, reuniu cerca de 150 pessoas.
Publicidade
“E 50 crianças preencheram a ficha de inscrição”, conta Flávio, o Fafá. “Isso sem falar nas 20 que já estão no projeto, na Quinta da Boavista. Se trouxermos o circo para cá, vamos economizar no custo da van e poderemos integrar com outras atividades”.
Fafá fala, com orgulho, do trabalho que vem sendo feito na comunidade. E relembra que, no começo da atividade, apenas quatro crianças participavam. “Quem conhece sabe que criança é muito intensa e precisa estar motivada o tempo todo. Com o circo elas ganham mais uma alternativa, pois já fazem judô, capoeira e teatro”.
Publicidade