Por thiago.antunes

Rio - Ao cair da noite das terças e quintas algo incomum acontece na Rua Sebastião de Carvalho, na Estrada do Itararé, Complexo do Alemão: dezenas de crianças de 7 a 15 anos dançam hip-hop no meio da via. Carros se aproximam, passam, e elas param alguns instantes, mas depois voltam a dançar. Todas são atendidas pela Associação Mulheres de Atitude — AMA, que há oito anos atua na comunidade, três deles com as crianças, na rua.

“Dançamos na rua por falta de opção. Quando chove, a gente é obrigado a ir para a laje de minha casa. Mas tenho medo, pois a escada é íngreme e sem corrimão”, conta Lúcia Maria Oliveira Leite, coordenadora da ONG, que trabalha como instrutora do curso de cabeleireiro na Faetec do Catumbi. “Via essas crianças à toa, na rua, e resolvi agir. Juntei amigos que já conheciam o trabalho da AMA e montamos este curso.”

Crianças e adolescentes de 7 a 15 anos ensaiam no meio da Rua Sebastião de Carvalho%3A a música favorita delas para treinar coreografias é ‘Show das Poderosas’%2C da funkeiraCarlo Wrede / Agência O Dia

Lúcia conta que não foi apenas a falta do que fazer das crianças que a incentivou. “Algumas delas chegam com problemas psicológicos graves. Através da dança, conseguimos dar cidadania para as crianças. Após poucas aulas é possível ver a melhora. É gratificante.” A noite está bem fria, mas as crianças sorriem e começam a dançar novamente. Vitória Monteiro Albano, de 6 anos, é a mais animada do grupo. Há um no projeto, sabe todas as coreografias. “Gosto muito de dançar, gosto demais daqui”, diz.

As aulas, voluntárias, são dadas por Maiara Christina, 17 anos, estudante do segundo ano do Ensino Médio. “Fazia aulas no AfroReggae e, há um ano, soube que precisavam de alguém. Não recebo nada, mas gosto de ensinar o que sei. Também aprendo.” Kissyla Alves, 8, está no grupo desde 2010. Na Sebastião de Carvalho, a menina costura seu sonho. Um doce para quem adivinhar qual é: “Ser bailarina, tia.”

Inayara%2C a aluna mais velha%2C abraça a coordenadora Lúcia MariaReprodução

Único menino, Dudu sonha com a TV

Em meio à mulherada, um varão. Eduardo Silva tem 10 anos e, há um mês, deu um chute no preconceito. Na cabeça do jovem, que faz questão de ressaltar que também joga futebol, o mais importante é alcançar seu objetivo: “Quero ser famoso e aparecer na TV”, conta ele, que convidou amigos para dançar o hip-hop de que tanto gosta. Já Inayara Rayne é a mais velha do grupo — tem 15 anos. Na cabeça, ser juíza e, ao mesmo tempo, poetisa. “Adoro a dança”, emenda ela, que começou a desenhar e escrever aos 8 anos.

Amante de Beethoven, até pensou em tocar violino e saxofone, mas o alto preço dos instrumentos adiou o sonho. “Mas, quando me formar, vou escrever um livro de poesias e comprar os dois.”
Tuane dos Santos, 7 anos, também sonha. Mas enquanto não vira dentista, dança para não dançar.

ONG também é balcão de empregos

Alunos da AMA se apresentam dentro e fora da comunidade. Em setembro, por exemplo, houve o Estações Culturais, no Teleférico do Alemão. O grupo dançou na Estação Palmeiras.
Segundo Lúcia, passeios culturais são feitos sempre que possível — o mais recente foi no dia 26, quando as crianças foram ao Cristo Redentor. “Procuramos levá-las ao teatro, cinema, e zoológico, além de outros lugares que possam expandir a cultura”, diz.

A AMA tem também um balcão de informal de empregos. Segundo Lúcia, aproximadamente 100 pessoas da comunidade já conseguiram emprego graças à ONG. A AMA oferece ainda aulas de artesanato. As peças são vendidas em feiras no Alemão, gerando renda para os artesãos. A AMA organiza também palestras para conscientização da violência contra a mulher.

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