Rio - Pelo menos 1 milhão de pessoas que moram na Região Metropolitana do Rio perdem um mês a cada ano dentro de um transporte no trajeto casa/trabalho/casa. O estudo, elaborado pelo economista Vitor Mihessen, usa dados do Censo 2010 e integra a primeira reportagem da parceria entre O DIA e a Casa Fluminense — ONG que pesquisa os problemas metropolitanos do estado.
“Tudo isso?”, espanta-se o autônomo João Tadeu Damacena, de 53 anos. Técnico em manutenção, João mora no bairro Santa Lúcia, em Duque de Caxias, na Baixada, e gasta três horas por dia para ir e voltar ao Rio, de segunda a sexta-feira. “Se eu tivesse essas horas, faria cursos de aperfeiçoamento”, sonha o trabalhador, que na década de 80 desistiu do 3º ano do Ensino Médio por dormir nas aulas. “Não aguentava.”
?INFOGRÁFICO: Veja mais detalhes sobre o tempo perdido nos transportes
Mas há quem perca mais tempo ainda: 227.931 fluminenses responderam ao Censo que ficam 4h30 numa condução, diariamente. Nesses casos, é como se eles passassem 45 dias por ano dentro de um transporte. Outros 1,5 milhão de metropolitanos gastam uma hora e meia no percurso. A matemática, perversa, é o resultado da soma da deficiência do transporte público com a ausência de uma política de descentralização econômica que leve investimentos para fora dos grandes centros urbanos. Ela também multiplica a quantidade de pessoas sem oportunidades por falta de qualificação.
“Quanto maior o tempo de deslocamento, menor a disponibilidade para a educação e participação na força de trabalho”, aponta o professor de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro Carlos Eduardo Young, também da Casa Fluminense.
O círculo é vicioso: o indivíduo com baixa qualificação tem rendimento menor e, por isso, mora mais longe e gasta mais tempo no deslocamento. A qualificação, que poderia elevar sua remuneração, é um sonho distante. “As deficiências no transporte público são mecanismos de exclusão social”, acrescenta Young.
A pesquisa de Mihessen cruza dados do universo de 5,4 milhões de habitantes de 19 municípios do Rio e Grande Rio. A ligação entre tempo perdido e trabalho informal salta aos olhos. Em Paracambi (79%), Guapimirim (77%) e Magé (69%), por exemplo, a maior parte dos trabalhadores não sai dos municípios. Como há parcas ofertas de emprego, o trabalho informal dispara. Guapimirim tem a maior taxa de trabalhadores sem carteira assinada (51%), seguido de Magé (46%) e Paracambi (45%). A (má) acessibilidade ferroviária é uma das explicações do problema.
“Os trens novos vão até Saracuruna. Dali em diante, até Guapimirim, somos obrigados a baldear para trens a diesel, antigos, porque a bitola dos trilhos é menor que a das composições modernas”, lamenta-se Tadeu.
ONG propõe horários alternativos e descentralização
?Além do investimento maciço na melhoria no transporte público sobre trilhos, a descentralização dos polos econômicos em direção às periferias e a criação de horários alternativos de expediente são algumas das soluções apontadas pelo economista Vitor Mihessen. “O passivo da mobilidade pode ser reduzido se empregos e novas formas de inserção no mercado de trabalho forem levados para áreas periféricas — hoje, majoritariamente residenciais”, opina.
Para ele, é preciso ainda capacitar a mão de obra destes locais e apoiar o empreendedorismo nos novos polos. Tudo isso, ressalta, faz parte de um pensamento macro da metrópole. “Isso diminuiria a informalidade nos postos de trabalhos e aliviaria a pressão sobre a rede viária urbana”, ressalta.
Se essa solução fosse aplicada em Japeri, por exemplo, 44% da população ativa economicamente que hoje deixam o município para trabalhar no Rio, continuariam naquela área. E em Guapimirim não haveria 51% de pessoas que preferem trabalhar sem carteira assinada para permanecer nas proximidades de suas residências.
Outra solução para evitar o ‘comportamento de manada’ — enormes contingentes vindos de todos os cantos da metrópole diariamente, adensando o Centro do Rio (onde há mais oportunidades de emprego e salários melhores) — é a criação de horários alternativos de trabalho. “Isso evitaria os gigantescos congestionamentos”, defende Vitor.
Ele cita ainda a tese do sociólogo Domênico de Masi, que enxerga na tecnologia a oportunidade de mudar as relações de trabalho. “Muitas profissões poderiam ser exercidas em casa ou em ambientes compartilhados, como já existe em São Paulo, próximos da residência.”
Perda na produtividade
?O drama do tempo perdido nas conduções afeta diretamente os municípios mais distantes. Em Japeri, 44% dos moradores se deslocam para o Rio e 42% têm ocupação próxima de suas casas. Dos obrigados ao deslocamento, 30% gastam três horas em média no trajeto casa/trabalho/casa — o que demonstra a precariedade no transporte e a falta de oportunidades no próprio município, já que a pessoa é ‘obrigada’ a se submeter às perdas.
Para Carlos Eduardo Young, a redução do tempo traria benefícios para o aumento da produtividade e para políticas de educação, qualificação e inclusão social. “São horas de trabalho e lazer desperdiçadas, poluição sonora, combustível e emissão de gases, o que resvala em mais gastos na Saúde”, pondera.
Já no Rio, 98% das pessoas moram e trabalham no município, o que ilustra a concentração de emprego nessa região. Em Itaguaí e Seropédica, 82% e 72%, respectivamente, permanecem no município. A oferta de emprego deve-se ao Porto de Sepetiba, à Universidade Federal Rural e aos empreendimentos atraídos por eles.
R$ 3,3 bilhões para os trens
Quem mora entre Guapimirim e Saracuruna vai continuar sofrendo com a baldeação. Segundo a SuperVia, os investimentos já estão contratados, mas o prazo é de até cinco anos. A empresa investirá R$ 3,3 bilhões no total — até agora, R$ 800 milhões foram para a compra de 110 trens, troca de 100 km de trilhos, instalação de 70 mil dormentes, substituição de 80 mil metros da rede aérea, reforma de estações e reforço na sinalização.
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